Hors-Série Charlie Hebdo #8H
Zineb (argumento)
Charb (desenho)
Charlie Hebdo
(França, Janeiro de 2013)
207 x 300 mm, 64 p., cor, brochado
6,00 € (8,50 € em Portugal*)
O anúncio de uma biografia desenhada de Maomé, a lançar pela
Charlie Hebdo, provocou uma tempestade mediática, que extravasou do espaço
original francófono, atingindo toda a Europa ocidental, Portugal incluído.
Duma edição deste género, a par desta incontornável
componente mediática, esperava-se também uma grande dose de provocação. Pelo
tom satírico (mais do que) provável ou, quanto mais não fosse, pelo facto de
uma obra deste cariz obviamente apresentar um retrato desenhado do profeta do
Islão, o que – supostamente? – contraria os seus ensinos. Ou talvez não,
segundo os autores, em mais uma prova que no Islão – tal como no catolicismo –
se dá demasiada importância à tradição ao mesmo tempo que se desconhecem os
ensinamentos que deveriam servir de base.
Claro que uma aposta editorial deste género, implica também
um risco – impossível de calcular – pois pode resultar numa (re)acção (de algum
fanático extremista) semelhante aquela que há pouco mais de um ano resultou na destruiçãoda redacção da mesma revista Charlie Hebdo.
Se tudo isto promoveu - de certeza - boas vendas, acabou de
igual modo por tornar secundário o mérito artístico da obra em si.
Quando afinal, apesar de tudo isto – ou por causa de tudo
isto? – os autores – Charb, na contracapa, e Zineb, no prefácio – defendem para
a sua obra apenas o propósito dar a conhecer à sociedade francesa – onde o
Islão tem um lugar cada vez mais representativo, dada a mescla cultural nela
existente – a vida e obra do profeta Maomé que, ao contrário das de Jesus ou
Moisés, é praticamente desconhecida.
Por isso, escreve Zineb, “trata-se de um livro sério, que
obrigou a longos meses de pesquisa, para ilustrar o percurso de um homem,
Maomé, tal e qual é descrito nas próprias fontes islâmicas. (…) Cada anedota,
cada frase posta na boca de Maomé está anotada e reencaminha para referências
bibliográficas cuja autenticidade nem os mais rigorosos clérigos islâmicos
contestarão”.
Desta forma, desenganem-se os que esperavam rir de capa a
capa ou, no mínimo, encontrar uma versão caricaturada de Maomé. O único factor
que, numa primeira fase, poderá levar a isso, é o desenho caricatural, rápido e
mais eficiente que agradável, de Charb, com as suas personagens feias e
grotescas. Depois, com a continuação do relato, esse efeito inicial perde-se
acabando por se destacar a legibilidade do traço.
Quanto à narrativa, dividida em curtos capítulos (1 a 4
páginas) auto-conclusivos, traça o percurso do futuro profeta desde o casamento
dos seus pais até à tomada de consciência da sua missão, aos 40 anos. A
utilização de citações na grande maioria dos balões de fala, que remetem à
bibliografia (que ocupa as 3 últimas páginas do álbum), pela linguagem
utilizada, quase sempre demasiado circunstancial, limita o ritmo narrativo e
acaba por tornar algo penosa a leitura, apesar do contraste que o traço de
Charb representa.
Esvaziando, assim as razões para a polémica? A resposta cabe
aos extremistas e fanáticos…
*Nota
Encontrei esta edição à venda na semana passada, no quiosque
do El Corte Inglès de Vila Nova de Gaia.
Isto deve ser particularmente interessante...
ResponderEliminarOlá Luís,
EliminarNão tanto como eu imaginei...
Mesmo assim, boas leituras!
O contraste entre o cartoon e a seriedade do texto pode ser prejudicial talvez ao ambiente do trabalho, não ?
ResponderEliminarNão, Luís,
EliminarPara mim o problema é mesmo o uso de citações nos diálogos, que "emperra" o ritmo de leitura da história...
Boas leituras!
Olá Pedro,
ResponderEliminarPelo contrário, a vida de Maomé e de Moisés são bastante descritas nos seus respectivos textos. A de Jesus é que não tem fonte narrativa. Repara que só sabemos como nasceu e os meses imediatamente anteriores à sua morte. O que fez dos 6 meses aos 30 anos é praticamente (se não totalmente) desconhecido. Uma obra destas sobre Jesus não poderia ser baseada em escrituras pois não haveria material suficiente sobre a sua vida. Apenas o nascimento ou morte.
Em relação à editora, independentemente de a obra ser mais ou menos 'atrevida', nos tempos que correm é de saudar a coragem que tiveram para mandar cá para fora tal livro. Depois do que se passou nos anos recentes com os episódios dos 'cartoons' é de estranhar não haver mais coragem por parte da sociedade ocidental, não para provocar, mas para defender a liberdade de expressão de cada um.
Olá Luís,
EliminarMesmo assim, o que se sabe sobre Jesus - "tradições" incluídas - é bem mais do que o que se conhece sobre Maomé, pelo menos no que diz respeito à sociedade ocidental...
Quanto à editora, a coragem anda de braço dado com o mediatismo e o lucro, certamente...
E o mesmo se pode dizer das opções da sociedade ocidental, sendo que neste caso o lucro - de onde vem o petróleo? - é o principal valor a proteger a todo o custo...
Boas leituras!