Por vezes, as ideias simples são as melhores.
Herança Vermelha,
sétimo tomo da colecção Super-Heróis DC Comics – Série II, que a Levoir está a
publicar em parceria com o semanário SOL, é um bom exemplo disso.
Para o desenvolver, Mark Millar partiu de um pressuposto
aliciante: o que teria mudado no Super-Homem, se a nave em que veio de Krypton
tivesse aterrado na União Soviética e não nos Estados Unidos?
Ou, de outra forma: já nascemos como vamos ser ou é o
ambiente em que crescemos que nos molda, limita e/ou nos estimula?
A resposta do argumentista escocês já a seguir.
O pressuposto tinha pano para mangas e possibilidades de
desenvolvimento em várias direcções. Millar, competente e naturalmente, optou
por fazer do Super-Homem um símbolo da ditadura comunista e, pela sua acção,
tornar essa política dominante no planeta, onde só duas nações resistiram: uns
decadentes Estados Unidos e – vá lá saber-se porquê – o Chile.
Com retoques na História norte-americana - Nixon morreu
assassinado em Dallas, Kennedy, divorciado de Jackie e casado com Marylin
Monroe é o presidente – assume a URSS como cenário da acção e é lá que coloca
outros elementos do universo da DC Comics, com destaque para a Mulher Maravilha
seduzida – sem ser correspondida – pelo Homem (da cortina) de Aço e Batman,
principal força de oposição (clandestina e terrorista) contra o ditador em que
o extraterrestre kriptoniano se transforma, pesem embora os aparentes bons
motivos que o movem – os fins justificam os meios? A grande surpresa é a
aliança entre o Super-Homem e Brainiac, em nome (aparentemente) de um bem
maior, o da raça humana.
Em oposição, nos EUA, Lex Luthor, casado com Lois Lane,
acaba por se assumir como líder e o campeão da liberdade e é do confronto –
mais uma vez – entre ele e o Super-Homem que surgirá o desfecho que responde à
questão que deixei acima de forma dupla, pois se o que nos rodeia nos influencia,
há também uma parte de nós que nasce connosco e contribui para nos formar. O
peso de cada uma? Depende de diversos factores entre os quais a vontade e a predisposição
natural para o bem ou para o mal. Pelo menos, no Universo DC Comics, no final,
não há surpresas, apenas confirmação do que já sabemos. Para bom entendedor…
Terminando em beleza, Millar, numa súbita aceleração final, leva
o relato a um ponto insuspeito no início mas muito bem arquitectado, até pela
dupla interpretação que ele pode suscitar: a História é imutável ou a modificação
de pressupostos com décadas poderia conduzir a um futuro (mais) risonho… Ou,
escrito de outra forma, a defesa do que sempre tomamos por seguro ou um piscar
de olhos mordaz que não deixa de provocar um pequeno incómodo…
[Sei que o parágrafo anterior pode soar um pouco obscuro
para quem não leu ainda a obra, mas não posso abrir-me mais sem destruir o
prazer da leitura…]
Quanto ao grafismo de Dave Johnson, mais conhecido como
ilustrador do que como autor da BD, se traz daquela alguma rigidez em termos de
expressões, funciona bem como todo e acrescenta um belo toque, a proximidade ao
design tradicional de muitos dos cartazes de propaganda soviética, num contributo
significativo para credibilizar a mudança de cenário para a URSS.
Há algumas semanas defendi aqui a inclusão de
histórias/arcos completas(os) em cada volume, para não misturar obras de
temática e/ou grafismo diferentes. Isso foi feito – bem, e, minha opinião -
neste volume.
Claro que alguns poderão reclamar – igualmente com (alguma)
razão - que pagaram o mesmo por este livro com menos 20 páginas de BD que por outros
volumes.
Se numa colecção deste tipo não é possível diferenciar os
preços dos vários tomos, a verdade é que os únicos ‘prejudicados’ são aqueles
que apenas compraram este livro porque, por exemplo, Justiça II tem 200 páginas (ou seja cerca de 30 a mais do que o
habitual) e também o mesmo preço.
Fica o registo por razões pedagógicas.
Mark Millar
(argumento)
Dave Johson e Kilian
Plunkett (desenho)
Andrew Robson e Walden
Wong (arte-final)
John Higgins (cor)
Levoir/Sol
Portugal, 11 de Janeiro de 2014
170 x 260 mm, 152 p., cor, cartonada
8,90 €
Um aspecto importante e que vale a pena não esquecer: o final do livro foi proposto a Millar por Grant Morrison quando ainda eram amigos. Este é possivelmente o melhor trabalho de Millar para a DC Comics, mas a ideia original partiu de uma história antiga do SuperHomem em que a cápsula que o trazia de Krypton caia no mar e ia ser disputada pelos EUA e a URSS Tive a oportunidade de ler a história há uns anos, porque havia um link para ela na Wikipedia. Infelizmente já não se encontra lá. Excelente leitura.
ResponderEliminarCaro Fernando,
EliminarDesconhecia a 'mão' do Grant Morrison nesta obra, mas sem dúvida o final é a 'cereja no topo do bolo' que a ideia original merecia.
Quanto à BD que refere, fiquei bastante curiosos e vou tentar encontrá-la.
Boas leituras!
"onde só duas nações resistiram: uns decadentes Estados Unidos e – vá lá saber-se porquê – o Chile."
ResponderEliminarNada mais simples. No auge da Guerra Fria, que país apoiou um golpe de estado no Chile para depor o governo socialista e instalar um ditador neoliberal?
Chile na altura mudou violentamente de uma economia estatal alinhada com o socialismo da URSS (Allende) para um capitalismo neoliberal alinhado com os EUA (Pinochet) apoiado pela Tatcher e pelo Reagan. Na lista de últimos países a resistir ao pacto de Varsóvia, até me surpreende o Reino Unido não ter resistido.
Olá DC,
EliminarE fica então o Chile (bem) explicado , embora outros países aí pudessem estar, para lá do Reino Unido que referes...
Boas leituras!
Classico sem duvida e um dos 3 melhores da serie 2.
ResponderEliminarQuanto a nota final ela só vale mesmo para a quantidade de paginas de Justiça ser Maior porque tanto nesta como na 1a serie diversos numeros nem chegavam as 170 paginas por volume.
Optimus,
EliminarSem dúvida uma das melhores escolhas desta série.
Boas leituras!