14/01/2014

Super-Heróis DC Comics – série II: Herança Vermelha





Por vezes, as ideias simples são as melhores.
Herança Vermelha, sétimo tomo da colecção Super-Heróis DC Comics – Série II, que a Levoir está a publicar em parceria com o semanário SOL, é um bom exemplo disso.
Para o desenvolver, Mark Millar partiu de um pressuposto aliciante: o que teria mudado no Super-Homem, se a nave em que veio de Krypton tivesse aterrado na União Soviética e não nos Estados Unidos?
Ou, de outra forma: já nascemos como vamos ser ou é o ambiente em que crescemos que nos molda, limita e/ou nos estimula?
A resposta do argumentista escocês já a seguir.


O pressuposto tinha pano para mangas e possibilidades de desenvolvimento em várias direcções. Millar, competente e naturalmente, optou por fazer do Super-Homem um símbolo da ditadura comunista e, pela sua acção, tornar essa política dominante no planeta, onde só duas nações resistiram: uns decadentes Estados Unidos e – vá lá saber-se porquê – o Chile.
Com retoques na História norte-americana - Nixon morreu assassinado em Dallas, Kennedy, divorciado de Jackie e casado com Marylin Monroe é o presidente – assume a URSS como cenário da acção e é lá que coloca outros elementos do universo da DC Comics, com destaque para a Mulher Maravilha seduzida – sem ser correspondida – pelo Homem (da cortina) de Aço e Batman, principal força de oposição (clandestina e terrorista) contra o ditador em que o extraterrestre kriptoniano se transforma, pesem embora os aparentes bons motivos que o movem – os fins justificam os meios? A grande surpresa é a aliança entre o Super-Homem e Brainiac, em nome (aparentemente) de um bem maior, o da raça humana.
Em oposição, nos EUA, Lex Luthor, casado com Lois Lane, acaba por se assumir como líder e o campeão da liberdade e é do confronto – mais uma vez – entre ele e o Super-Homem que surgirá o desfecho que responde à questão que deixei acima de forma dupla, pois se o que nos rodeia nos influencia, há também uma parte de nós que nasce connosco e contribui para nos formar. O peso de cada uma? Depende de diversos factores entre os quais a vontade e a predisposição natural para o bem ou para o mal. Pelo menos, no Universo DC Comics, no final, não há surpresas, apenas confirmação do que já sabemos. Para bom entendedor…
Terminando em beleza, Millar, numa súbita aceleração final, leva o relato a um ponto insuspeito no início mas muito bem arquitectado, até pela dupla interpretação que ele pode suscitar: a História é imutável ou a modificação de pressupostos com décadas poderia conduzir a um futuro (mais) risonho… Ou, escrito de outra forma, a defesa do que sempre tomamos por seguro ou um piscar de olhos mordaz que não deixa de provocar um pequeno incómodo…
[Sei que o parágrafo anterior pode soar um pouco obscuro para quem não leu ainda a obra, mas não posso abrir-me mais sem destruir o prazer da leitura…]
Quanto ao grafismo de Dave Johnson, mais conhecido como ilustrador do que como autor da BD, se traz daquela alguma rigidez em termos de expressões, funciona bem como todo e acrescenta um belo toque, a proximidade ao design tradicional de muitos dos cartazes de propaganda soviética, num contributo significativo para credibilizar a mudança de cenário para a URSS.

Nota final
Há algumas semanas defendi aqui a inclusão de histórias/arcos completas(os) em cada volume, para não misturar obras de temática e/ou grafismo diferentes. Isso foi feito – bem, e, minha opinião - neste volume.
Claro que alguns poderão reclamar – igualmente com (alguma) razão - que pagaram o mesmo por este livro com menos 20 páginas de BD que por outros volumes.
Se numa colecção deste tipo não é possível diferenciar os preços dos vários tomos, a verdade é que os únicos ‘prejudicados’ são aqueles que apenas compraram este livro porque, por exemplo, Justiça II tem 200 páginas (ou seja cerca de 30 a mais do que o habitual) e também o mesmo preço.
Fica o registo por razões pedagógicas. 

Mark Millar (argumento)
Dave Johson e Kilian Plunkett (desenho)
Andrew Robson e Walden Wong (arte-final)
John Higgins (cor)
Levoir/Sol
Portugal, 11 de Janeiro de 2014
170 x 260 mm, 152 p., cor, cartonada
8,90 €

6 comentários:

  1. Um aspecto importante e que vale a pena não esquecer: o final do livro foi proposto a Millar por Grant Morrison quando ainda eram amigos. Este é possivelmente o melhor trabalho de Millar para a DC Comics, mas a ideia original partiu de uma história antiga do SuperHomem em que a cápsula que o trazia de Krypton caia no mar e ia ser disputada pelos EUA e a URSS Tive a oportunidade de ler a história há uns anos, porque havia um link para ela na Wikipedia. Infelizmente já não se encontra lá. Excelente leitura.

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    1. Caro Fernando,
      Desconhecia a 'mão' do Grant Morrison nesta obra, mas sem dúvida o final é a 'cereja no topo do bolo' que a ideia original merecia.
      Quanto à BD que refere, fiquei bastante curiosos e vou tentar encontrá-la.

      Boas leituras!

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  2. "onde só duas nações resistiram: uns decadentes Estados Unidos e – vá lá saber-se porquê – o Chile."

    Nada mais simples. No auge da Guerra Fria, que país apoiou um golpe de estado no Chile para depor o governo socialista e instalar um ditador neoliberal?
    Chile na altura mudou violentamente de uma economia estatal alinhada com o socialismo da URSS (Allende) para um capitalismo neoliberal alinhado com os EUA (Pinochet) apoiado pela Tatcher e pelo Reagan. Na lista de últimos países a resistir ao pacto de Varsóvia, até me surpreende o Reino Unido não ter resistido.

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    1. Olá DC,
      E fica então o Chile (bem) explicado , embora outros países aí pudessem estar, para lá do Reino Unido que referes...

      Boas leituras!

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  3. Classico sem duvida e um dos 3 melhores da serie 2.
    Quanto a nota final ela só vale mesmo para a quantidade de paginas de Justiça ser Maior porque tanto nesta como na 1a serie diversos numeros nem chegavam as 170 paginas por volume.

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    1. Optimus,
      Sem dúvida uma das melhores escolhas desta série.

      Boas leituras!

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