Distribuído hoje com o jornal Público, A Louca Do Sacré-Coeur, depois de Um Contrato com Deus, de Will Eisner, é o segundo volume
da colecção Novela Gráfica, editada pela Levoir, e marca o reencontro de dois marcantes autores de BD: Alejandro
Jodorowsky e Moebius.
Sinopse, ficha técnica, primeiras
pranchas e breve análise da obra já a seguir.
Alain Mangel, professor de filosofia na
Sorbonne, é seduzido por uma das suas alunas, Elisabeth. Possuída por
verdadeiros delírios místicos, ela arrastará o professor para um furacão de
acontecimentos inesperados e delirantes que irão pôr à prova a racionalidade de
Mangel. Paródia mística, farsa sagrada, caminho iniciático, exorcismo, o
percurso do protagonista vai levá-lo a abrir os seus olhos para outra
realidade.
A
Louca Do Sacré-Coeur
Alejandro
Jodorowsky (argumento)
Moebius
(desenho)
Levoir
/ Público
190
x 260 mm, 192 p., cor, cartonado, 9,90
€
Alejandro Jodorowsky é um dos nomes mais
importantes do teatro e cinema dos finais do século 20, um escritor e artista
ligado ao surrealismo e a muitos vanguardismos. Criador, com Topor e Arrabal,
do grupo de performance surreal Mouvement Panique, autor de filmes tão
marcantes como El Topo ou Santa Sangre, Jodorowsky viria a enveredar por
caminhos mais místicos, como o "psico-xamanismo" que criou, mas sem
nunca cair na loucura, como o seu herói Antonin Artaud, a quem foi buscar muita
da sua inspiração. Com um currículo deste calibre, pode parecer surpreendente
que ele seja também conhecido como um dos maiores autores de banda-desenhada de
sempre, uma carreira que iniciou nos anos 1980 depois do seu encontro com Jean
Giraud, mais conhecido como Moebius, o outro criador que assina este álbum, A
Louca do Sacré-Coeur.
Esse encontro deu-se por causa dos filmes
de Jodorowsky. Depois de ter feito El Topo - geralmente descrito como um
"western on acid" - Jodo (como é muitas vezes chamado) mudou-se para
os EUA, onde realizou Holy Mountain, outro filme complexo e esotérico que lhe
granjeou enorme fama na cena underground de Nova Iorque. Jodorowsky foi então
convidado para realizar aquela que ele queria que fosse a sua obra-prima, a
versão cinematográfica da saga de ficção-científica de Frank Herbert, Dune. E
foi durante a pré-produção deste filme que conheceu Moebius, na altura em plena
fase da revista Métal Hurlant... e, como se costuma dizer, o resto é história.
A produção de Dune falhou completamente - Salvador Dalí tinha aceitado aparecer
no filme no papel do Imperador Corrino, e pedia 100,00$ por minuto que aparecesse
no ecrã, a música tinha sido encomendada aos Pink Floyd e a Stockhausen, Orson
Welles ia fazer de Barão Harkonnen e muitas outras loucuras em que Jodorowsky
gastou mais de 2 milhões de dólares, só em pré-produção - mas a amizade de Jodo
com Moebius continuou, e resultou na publicação em 1981 do primeiro álbum
daquela que seria uma das mais aclamadas e mais vendidas séries de
banda-desenhada de sempre, O Incal.
"Um dia, uma jovem que assistia a um
dos meus cursos de tarot veio falar comigo depois da aula, ela e mais duas
amigas, todas atacadas por algum tipo de loucura colectiva. Pediu-me que eu lhe
fizesse um filho! Dizia que eu era Zacarias e queria gerar comigo um novo João
Baptista."
- Jodorowsky
Mais de uma década depois, Jodorowsky e
Moebius voltariam a colaborar neste fantástico A Louca do Sacré-Coeur, em que
Moebius volta a um registo de desenho mais próximo da linha clara franco-belga,
mas em que aparecem sempre que necessário os momentos surreais e futuristas que
fizeram a sua fama em O Incal. Depois de anos em que enalteceu a via mística e
da loucura sagrada, Jodorowsky assinou este argumento que é crítica da religião
dominante, revisitação da Imaculada Concepção em versão comédia louca, e ao
mesmo tempo busca que a sua personagem central vai fazer por uma verdade mais
profunda. Jodorowsky ri-se simultaneamente da filosofia ocidental e séria, da
universidade, do misticismo selvagem, da religião, do New Age e faz uma paródia
de Carlos Castañeda, num livro que é um marco na carreira destes grandes autores,
e ao mesmo tempo uma das suas obras mais singulares.
"Claro, mas a história acaba numa
nota muito positiva. Vemos como é que um homem, saído da tradição do
intelectualismo europeu e roubado das suas emoções e dos seus instintos, vai
encontrar circunstâncias que o atiram para um mundo mágico - que também é o
mundo da loucura - e como esse homem, que não tem meios para se defender nessa
dimensão, e que se torna rapidamente numa vítima, vai finalmente descobrir quem
é, e com essa descoberta vai recuperar os valores mais profundos que tinha
perdido. E, no fim, o milagre acontece. E é uma conclusão lógica: a trilogia é
toda ela uma apologia do milagre. Quando o amor existe, o milagre acontece..."
- Jodorowsky
Originalmente publicada em três volumes -
La Folle du Sacré-Coeur (1992), Le Piège de l'Irrationnel (1993), Le Fou de la
Sorbonne (1998) - a trilogia viria a ser mais tarde baptizada com o nome de Le
Coeur Couronné, O Coração Coroado.
A versão editada pela Levoir/PÚBLICO
segue a recente edição integral francesa no formato (mais próximo do americano)
e no nome, mantendo o título do primeiro álbum, pelo qual a história é mais
conhecida.
Quanto a Jodorowsky, recomendamos a todos
os seus fãs que vejam o fabuloso documentário que Frank Pavich lhe dedicou,
Jodorowsky's Dune: The Greatest Science-Fiction never made, cujos trailers são
fáceis de encontrar no YouTube, bem como uma genial entrevista chamada
Alejandro Jodorowsky on "The Dance of Reality" and the healing power
of art.
(Texto e imagens fornecidos pela editora)
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