Por vezes há várias razões para escrever sobre um livro.
Este é um deles.
Um bom pretexto era considerar a primeira edição de BD da
Levoir fora das habituais colecções. Caso único, experiência ou título
inaugural, o futuro aferirá da importância desta edição – e da sua continuidade
ou não. Mas convém não esquecer que a Levoir é hoje, possivelmente, a principal
editora de BD em Portugal…
Outra hipótese era aflorar a questão ‘novela gráfica’. O
sucesso da colecção Levoir/Público, repetido na sua redistribuição (apesar do
agravamento dos preços) na FNAC, parece indicar que este é um caminho a trilhar.
Repetidamente. A associação deste livro àquela colecção, frisa-o. E, mais uma
vez, abre portas…
A utilização da banda desenhada para evocação de grandes
figuras, estando longe de ser uma novidade, pode sê-lo – mais entre nós –
quando essa banda desenhada sai dos cânones mais tradicionais, como é,
indubitavelmente, o caso.
E aqui, entramos – finalmente – na principal razão para este
texto: a obra em si.
Billie Holiday,
apesar do tradicionalismo da sua estrutura – o ponto de partida é um jornalista
que deve evocar a vida da cantora, a propósito dos 30 anos da sua morte, embora
nada saiba sobre ela. A sua investigação – e viagem iniciática por um universo controverso…
-, sob a pressão do tempo, vai levá-lo a descobrir uma vida atribulada,
errática e frenética, quase sempre com o sucesso abafado pelas desgraças, de uma
mulher incompreendida, perdida e (apesar de tudo), solitária, infeliz com os homens, que sofreu
na carne e na pele - pela cor da sua pele – da parte de brancos e negros.
Sampayo, com uma escrita cirúrgica mas divagante, pega em
pedaços dessa vida que nos apresenta como compondo uma manta de retalhos e, num
momento de inspiração especialmente feliz, relaciona-os com Alack Sinner –
personagem fetiche dele e de Muñoz – que aparentemente se cruzou várias vezes
com Billie.
O retrato que traça da diva, resulta perturbado e
perturbador, desfocado e incerto, mas, se num primeiro momento afasta, depois
atrai inexoravelmente para o abismo – e para o abismo gráfico narrativo de
Muñoz, traçado impressivamente, em pinceladas fortes, por vezes (quase)
realistas, outras mais próximas (quase) da abstracção.
Falta – no objecto livro, que não na narrativa que o seu
papel suporta, em que Sampayo e Muñoz sublinham musicalmente (…?) muitas das
passagens – a banda sonora para a qual, inevitavelmente, a leitura do livro
conduz.
Billie Holiday
Carlos Sampayo (texto)
José Muñoz (desenho)
Levoir/Público
Portugal, 5 de Novembro de 2015
220 x 295 mm, 80 p., pb, capa dura
11,90 €
Não sendo de elástico duas coisas (dinheiro e espaço em casa), não sendo assunto do meu interesse (Jazz) e não tendo gostado do aspecto gráfico do livro em questão (gosto pessoal), este foi um dos que não adquiri.
ResponderEliminarEspero no entanto que seja um sucesso o suficiente para que a editora (Levoir) continue a apostar em editar BD 'não formatada' em Portugal.
pco69,
ResponderEliminarFelizmente de momento há tantas propostas de BD em Portugal que é necessário fazer escolhas.
Este Billie Holiday está longe de ser um álbum de leitura fácil e não é de certeza obra para agradar a todos. Mais, acredito que é daqueles livros que se amam ou odeiam!
Eu gostei! ;)
Boas leituras!