09/11/2015

Billie Holiday















Por vezes há várias razões para escrever sobre um livro. Este é um deles.


Um bom pretexto era considerar a primeira edição de BD da Levoir fora das habituais colecções. Caso único, experiência ou título inaugural, o futuro aferirá da importância desta edição – e da sua continuidade ou não. Mas convém não esquecer que a Levoir é hoje, possivelmente, a principal editora de BD em Portugal…

Outra hipótese era aflorar a questão ‘novela gráfica’. O sucesso da colecção Levoir/Público, repetido na sua redistribuição (apesar do agravamento dos preços) na FNAC, parece indicar que este é um caminho a trilhar. Repetidamente. A associação deste livro àquela colecção, frisa-o. E, mais uma vez, abre portas…

A utilização da banda desenhada para evocação de grandes figuras, estando longe de ser uma novidade, pode sê-lo – mais entre nós – quando essa banda desenhada sai dos cânones mais tradicionais, como é, indubitavelmente, o caso.
E aqui, entramos – finalmente – na principal razão para este texto: a obra em si.
Billie Holiday, apesar do tradicionalismo da sua estrutura – o ponto de partida é um jornalista que deve evocar a vida da cantora, a propósito dos 30 anos da sua morte, embora nada saiba sobre ela. A sua investigação – e viagem iniciática por um universo controverso… -, sob a pressão do tempo, vai levá-lo a descobrir uma vida atribulada, errática e frenética, quase sempre com o sucesso abafado pelas desgraças, de uma mulher incompreendida, perdida e (apesar de tudo), solitária, infeliz com os homens, que sofreu na carne e na pele - pela cor da sua pele – da parte de brancos e negros.
Sampayo, com uma escrita cirúrgica mas divagante, pega em pedaços dessa vida que nos apresenta como compondo uma manta de retalhos e, num momento de inspiração especialmente feliz, relaciona-os com Alack Sinner – personagem fetiche dele e de Muñoz – que aparentemente se cruzou várias vezes com Billie.
O retrato que traça da diva, resulta perturbado e perturbador, desfocado e incerto, mas, se num primeiro momento afasta, depois atrai inexoravelmente para o abismo – e para o abismo gráfico narrativo de Muñoz, traçado impressivamente, em pinceladas fortes, por vezes (quase) realistas, outras mais próximas (quase) da abstracção.
Falta – no objecto livro, que não na narrativa que o seu papel suporta, em que Sampayo e Muñoz sublinham musicalmente (…?) muitas das passagens – a banda sonora para a qual, inevitavelmente, a leitura do livro conduz.

Billie Holiday
Carlos Sampayo (texto)
José Muñoz (desenho)
Levoir/Público
Portugal, 5 de Novembro de 2015
220 x 295 mm, 80 p., pb, capa dura
11,90 €

2 comentários:

  1. Não sendo de elástico duas coisas (dinheiro e espaço em casa), não sendo assunto do meu interesse (Jazz) e não tendo gostado do aspecto gráfico do livro em questão (gosto pessoal), este foi um dos que não adquiri.

    Espero no entanto que seja um sucesso o suficiente para que a editora (Levoir) continue a apostar em editar BD 'não formatada' em Portugal.

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  2. pco69,
    Felizmente de momento há tantas propostas de BD em Portugal que é necessário fazer escolhas.
    Este Billie Holiday está longe de ser um álbum de leitura fácil e não é de certeza obra para agradar a todos. Mais, acredito que é daqueles livros que se amam ou odeiam!
    Eu gostei! ;)
    Boas leituras!

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