Outra
vez e sempre
Com
a chegada às livrarias de As
Célticas
e As
Etiópicas,
a Arte de Autor disponibiliza dois dos melhores exemplos da escrita
desenhada de Pratt e dois álbuns de eleição.
Conjunto
de relatos curtos, convenientemente associados - em termos editoriais
- em função dos territórios em que decorrem maioritariamente,
apresentam
de
forma inegável as
qualidades
e características que levaram ao reconhecimento (quase) unânime de
Pratt.
Corto
é, nestes
dois álbuns, o
marinheiro romântico na sua essência: aventureiro,
caçador
de tesouros, idealista, sonhador, admirador de belas mulheres, sim, mas também determinado e preponderante quando
tal é necessário.
Com
a História como pano de fundo - a Primeira Guerra Mundial, a sua
extensão em África, a questão nacionalista (ou terrorista - a
dúvida existe sempre, consoante defendemos um ou outro lado da
baricada) irlandesa… - tudo serve de pretexto para Corto fazer um
percurso errante, ao sabor dos acontecimentos ou tendo neles papel
decisivo, cruzando-se com personagens reais e outras nelas inspiradas
e partilhando connosco um sem número de factos históricos,
culturais ou lendários. E se a guerra é quase cenário permanente e
Corto assumidamente opta por um ou outro contendor, a verdade é que
duvida sempre da sua necessidade e ela
é exposta como algo absurdo, inútil, onde ninguém
ganha mas todos perdem - e muito.
Em
As
Célticas,
é obrigatório destacar Concerto
em O Menor para Harpa e Nitroglicerina,
tão surpreendente quanto o seu título na forma como aborda a
questão irlandesa, plena de traições e mártires - que por vezes
até significam o mesmo… - e também o místico e enigmático Sonho
de uma manhã de inverno,
em que o marinheiro se associa a
figuras irlandesas
lendárias num
relato
de espionagem, tal como, aliás, o apesar de tudo desconcertante
e divertido
Burlesco
entre Zuydcoote e Bray-Dunes.
Quanto
a As
Etiópicas,
o destaque vai
completo para
a introdução na série do etíope Cush, tão peculiar quanto Corto,
se bem que mais violento e
para a peculiar interpretação que ambos fazem das suas leituras do
Corão.
Os
dois álbuns espelham igualmente a evolução do traço de Pratt,
cada vez mais expurgado de pormenores desnecessários, com uma
estilização crescente, um domínio perfeito dos contrastes de negro
e branco e uma invulgar capacidade de transformar umas imagens
noutras em sequências que parecem quase vivas no papel.
Nota
Alguns
questionam se faz sentido editar Corto Maltese outra
vez.
Uma pergunta
que associo aqueles que já o compraram nas
edições da
Edições 70 (velhinhas, em
que reli estes dois belíssimos álbuns) e/ou
da
Meribérica e/ou da
ASA e ou da
ASA/Público
e não querem outra edição diferente. São os que vivem num passado
muito distante em que um pequeno nicho comprava toda a BD que era
editada.
Numa
altura em que este paradigma claramente mudou, a resposta à questão
inicial parece-me evidente: claro que sim.
Num
mercado de oferta alargada (para a nossa dimensão) como existe hoje
em Portugal, considero fundamental que os grandes clássico da BD
estejam disponíveis. Para alguns que queiram edições mais modernas
e de melhor qualidade, sim
- e
essas são características destas edições da Arte de Autor que,
para mais, reproduzem a arte de Pratt tal como foi criada
originalmente, num belíssimo preto e branco - mas
fundamentalmente para os que ainda não conhecem nem desfrutaram de
Corto.
Corto
Maltese: As Célticas
Corto
Maltese: As Etiópicas
Hugo
Pratt
Arte
de Autor
Portugal,
Maio de 2019
225
x 297 mm, 152 p./112 p., pb com prefácio a cores, capa dura
26,95
€
Claro que faz sentido editar obras outrora editadas.
ResponderEliminarEu por exemplo, estou a aproveitar para ler o Spirou do Franquin e para ler Corto Maltese pela primeira vez. Além do mais, edições de Corto a cores sempre me deixaram desconfiado e nestas edições, fiquei contente.
É mais importante termos a Balada do Mar Salgado ao alcance de todos, do que por exemplo, as novas histórias da personagem, que a meu ver não acrescentam nada, a um universo que era muitissimo pessoal.
Abraço
Edinter? não eram as Edições 70?
ResponderEliminarComprei esse albuns nos anos 80, acabaram por se gastar, a legendagem/tradução também não eram grande coisa.
Estas são histórias que devem se apreciadas a preto e branco, mesmo as mais tardias, o belíssimo Tango por exemplo.
Não sei o Helvéticas e o Mu foram concebidos para levarem já com o tratamento colorido mas nessa altura já a arte de Pratt tinha definhado muito por causa da doença? não sei, já não fazia muita diferença nessa altura.
Edições 70, claro! Já corrigi, obrigado pela atenção!
EliminarPenso que todos os álbuns do Corto foram criados a preto e branco e só posteriormente coloridos.
E realmente as Helvéticas e Mu já não adiantaram nada à lenda de Pratt...
Boas leituras!
Não entendo porque nunca editaram o "A L'ouest de L'Eden", ambientando nas mesmas paragens do "Etiópicas", ok, não tem Corto, mas...
ResponderEliminarNão encaro como uma obra menor do autor.
Assim como o Jesuit Joe, o Homem do Caribe ou o Cato Zoulou.
Boa noite, porque se mudou as traduções das historias ja existentes, desde o tempo das edições 70 e que são belíssimas. Obrigado
ResponderEliminarOlá Paulo!
EliminarA resposta já foi dada no Facebook, mas reproduzo-a aqui para conhecimento de outros possíveis interessados.
As traduções antigas pertencem às editoras ou aos tradutores. Utilizá-las implica chegar a acordo com eles e, num caso destes, passá-las integralmente em computador pois na altura da publicação, há mais de 30 anos, ainda não havia meios informáticos. Por vezes este trabalho não compensa....
Por outro lado, com a entrada em vigor do (triste) acordo ortográfico e com a evolução - possivelmente para pior... - da linguagem, será necessário questionar se faz sentido utilizar traduções já 'tão antigas'...
Boas leituras!
Por mim faz todo o sentido reeditar Corto e outros. "Descobri" Corto aquando da colecção do Público a p/b. Não estava completa e interessa-me outra editora reeditar para ter acesso aos títulos que não saíram nessa colecção.
ResponderEliminarQuem diz isso costuma ser quem tem edições mais antigas. Reedições servem para quem entrou mais tarde no mundo da BD e não apanhou as edições antigas. E no fundo não é isso que se quer? Mais público para esta forma de arte crescer?
Também não é bem assim.
ResponderEliminarNo meu caso compro os albums desde os anos 80 e os livros são como as pessoas, também envelhecem.
Os livros ficam amarelados, o papel estraga-se de emprestar.
Os livros das edições 70 onde sairam estas edições pela primeira vez em PT eram de capa mole, isso também não ajuda a conservar o miolo.
Interessa-me ter edições impressas mais recentes, se esta edição fosse de capa mole ou em cores ou se ainda tivessem separado as histórias em 2 volumes eu não comprava.
Como idealmente é o meu tipo de edição então sim, comprei.
Neste caso para mim é vantajoso comprar as reedições mas claro sempre se me agradar o conteúdo.
Também é um pontapé no cú dos especuladores que andam a colocar os livros das antigas edições 70 nos sites de leilões a 30-40 euros com a desculpa de que são raras e estão em bom estado e às vezes nem isso, é apenas pura chulice.
Estou a fazer a colecção da Arte de Autor e a adorar. Conheci o Corto Maltese na longínqua e muito adorada revista Tintin, e há muitos anos que tencionava ter os álbuns todos, sobretudo em edições de excepção como estas. Não acho o preço caro para as edições que são, sinceramente. Deixo a nota que gostava que a Arte de Autor, que sei já publicou os dois últimos álbuns de autoria espanhola a cores, (o nº 13 e o nº 14) os publicasse também nesta colecção a preto e branco.
ResponderEliminarAbraços e boas leituras,
João Vagos
A edição da Arte de Autor está muito boa, na verdade. E está publicada na forma como os álbuns foram criados: a preto e branco.
EliminarOs álbuns mais recentes, apesar de também existirem na versão pb, foram pensados desde o início para a cor - que é mais comercial. Mas nada impede que a Arte de Autor venha a publicá-los mais tarde a preto e branco...
Boas leituras!