Depois
de L’Hôte
(datado de 2009, inédito em português) e de OEstrangeiro
(2013, edição Arcádia), O
primeiro homem (2017)
é a mais recente incursão de Jacques Ferrandez na obra do seu
conterrâneo Albert Camus e
na Argélia, pátria comum dos dois, sendo evidente nas suas obras a forte ligação que
têm com ele.
Em
O
primeiro homem,
isso torna-se ainda mais evidente pois trata-se de uma autobiografia
- por interposta pessoa - de Camus. Associada ao romance original há
uma história trágica, pois o escritor faleceu num violento acidente
automóvel quando se preparava para ultimar o livro. Seria finalmente
publicado, mais de três décadas depois, e tem agora uma nova
leitura pois Ferrandez não se coibiu de ‘preencher’ alguns
hiatos que Camus deixara.
Quase
inteiramente ambientado na Argélia, é a biografia de Jacques
Cormery, cuja vida narrada tem inúmeros pontos de contacto com a do
próprio Camus. Filho de pai francês falecido muito cedo, Cormery
vai crescer sob a influência da avó, autoritária, e da mãe,
analfabeta e submissa, contando
com o apoio de um professor para seguir os estudos e poder aspirar a
mais na sua vida, acabando por se tornar escritor. Isso, apesar da
pobreza imensa que experimentou em miúdo, o
que o ajudou a fortalecer o carácter e a determinação, mas também
deixou marcas profundas,
e de todas consequências que assolaram a antiga colónia francesa,
destroçada pela II Guerra
Mundial, primeiro, e, depois,
pelos
movimentos nacionalistas
- ou terroristas… - em busca da auto-determinação.
Por
tudo isto, O
primeiro homem,
é tanto a história de um país em constantes convulsões quanto a
do próprio Jacques Cormery, exemplo de determinação e sucesso -
relativizado - apesar das muitas dúvidas e marcas que as
dificuldades que atravessou lhe deixaram.
Obra
autónoma em relação ao romance original, auto-suficiente no seu
suporte aos quadradinhos - o que é fundamental pois pressupõe-se
que muitos dos seus leitores não conhecerão
o romance - O
primeiro homem
desenvolve-se suportado por avanços e recuos temporais que aos
poucos vão ajudando
a elaborar
um quadro maior e com Ferrandez a utilizar alguns estratagemas
gráficos para nos ajudar a (re)conhecer os intervenientes ou
associar determinados momentos, separados
no tempo.
Graficamente,
esta terceira incursão na herança de Camus apresenta-se mais
conseguida, com o traço a apresentar-se mais fino e delicado, as
vinhetas mais leves e menos preenchidas mas sem prejudicar o detalhe
necessário e as cores mais suaves a transpirarem o sol, a areia e o
mar da Argélia. Este retrato fiel e quase sensorial daquele
território africano é acentuado pelo recurso mais frequente a
vinhetas de maior dimensão, geralmente abertas, em que o autor
trabalha as suas belas aguarelas em cor directa.
Nota
O
primeiro homem,
expande a aposta da Porto Editora no segmento das adaptações
literárias em BD, depois de OVelho e o Mar
ou ODiário de Anne Frank.
Algo natural, se atendermos ao perfil da editora, e
que disponibiliza (mais)
propostas diferentes no actual panorama editorial de BD.
O
primeiro homem
A
partir da obra de Albert Camus
Jacques
Ferrandez
Porto
Editora
Portugal,
Maio de 2019
215
x 284 mm, 184 p., cor, capa dura
18,80
€
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