10/05/2019

O primeiro homem

Incursão argelina






Depois de L’Hôte (datado de 2009, inédito em português) e de OEstrangeiro (2013, edição Arcádia), O primeiro homem (2017) é a mais recente incursão de Jacques Ferrandez na obra do seu conterrâneo Albert Camus e na Argélia, pátria comum dos dois, sendo evidente nas suas obras a forte ligação que têm com ele.
Em O primeiro homem, isso torna-se ainda mais evidente pois trata-se de uma autobiografia - por interposta pessoa - de Camus. Associada ao romance original há uma história trágica, pois o escritor faleceu num violento acidente automóvel quando se preparava para ultimar o livro. Seria finalmente publicado, mais de três décadas depois, e tem agora uma nova leitura pois Ferrandez não se coibiu de ‘preencher’ alguns hiatos que Camus deixara.
Quase inteiramente ambientado na Argélia, é a biografia de Jacques Cormery, cuja vida narrada tem inúmeros pontos de contacto com a do próprio Camus. Filho de pai francês falecido muito cedo, Cormery vai crescer sob a influência da avó, autoritária, e da mãe, analfabeta e submissa, contando com o apoio de um professor para seguir os estudos e poder aspirar a mais na sua vida, acabando por se tornar escritor. Isso, apesar da pobreza imensa que experimentou em miúdo, o que o ajudou a fortalecer o carácter e a determinação, mas também deixou marcas profundas, e de todas consequências que assolaram a antiga colónia francesa, destroçada pela II Guerra Mundial, primeiro, e, depois, pelos movimentos nacionalistas - ou terroristas… - em busca da auto-determinação.
Por tudo isto, O primeiro homem, é tanto a história de um país em constantes convulsões quanto a do próprio Jacques Cormery, exemplo de determinação e sucesso - relativizado - apesar das muitas dúvidas e marcas que as dificuldades que atravessou lhe deixaram.
Obra autónoma em relação ao romance original, auto-suficiente no seu suporte aos quadradinhos - o que é fundamental pois pressupõe-se que muitos dos seus leitores não conhecerão o romance - O primeiro homem desenvolve-se suportado por avanços e recuos temporais que aos poucos vão ajudando a elaborar um quadro maior e com Ferrandez a utilizar alguns estratagemas gráficos para nos ajudar a (re)conhecer os intervenientes ou associar determinados momentos, separados no tempo.
Graficamente, esta terceira incursão na herança de Camus apresenta-se mais conseguida, com o traço a apresentar-se mais fino e delicado, as vinhetas mais leves e menos preenchidas mas sem prejudicar o detalhe necessário e as cores mais suaves a transpirarem o sol, a areia e o mar da Argélia. Este retrato fiel e quase sensorial daquele território africano é acentuado pelo recurso mais frequente a vinhetas de maior dimensão, geralmente abertas, em que o autor trabalha as suas belas aguarelas em cor directa.

Nota
O primeiro homem, expande a aposta da Porto Editora no segmento das adaptações literárias em BD, depois de OVelho e o Mar ou ODiário de Anne Frank. Algo natural, se atendermos ao perfil da editora, e que disponibiliza (mais) propostas diferentes no actual panorama editorial de BD.

O primeiro homem
A partir da obra de Albert Camus
Jacques Ferrandez
Porto Editora
Portugal, Maio de 2019
215 x 284 mm, 184 p., cor, capa dura
18,80 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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