23/05/2019

Le Storie: El Inquisidor

A dois tempos





A sua proveniência da colecção Le Storie, o nome de Gianfranco Manfredi no argumento e a temática, a (dita) Santa Inquisição, fizeram com que me aproximasse desta obra com fundadas expectativas.
Saí da leitura dividido - tal como está a narrativa.

El Inquisidor, quinto número de Le Storie Annuale, tem a acção ambientada na Galiza, no início do século XVII, e apresenta como protagonista Luis de Santiago, um inquisidor ao serviço da - então como hoje - todo-poderosa Igreja Católica.
Este homem possui, no entanto, uma particularidade que questiona as suas aptidões para a tarefa: não acredita em bruxas e, mais ainda, está disposto a lutar a partir de dentro para acabar com os autos-de-fé. Para reforçar a sua posição, embora aqui e ali queime uma ou outra acusada, não hesita, noutras ocasiões, em condenar à fogueira não as supostas adoradoras do diabo mas sim os seus acusadores, ciente que na maior parte dos casos a culpa delas vem apenas da recusa de certos avanços, da ameaça de expor os abusos sofridos ou de terem querido ajudar quem a elas recorreu.
Autor de sucessivas missivas às altas instâncias clericais, acaba por provocar uma investigação às suas acções por parte de um antigo companheiro.
Narrativa de cariz histórico, suficientemente ancorada numa realidade comprovada, sem que isso limite a criatividade dos autores, El Inquisidor, a meio do seu percurso narrativo, perde este carácter claramente realista, para dar lugar a um registo em que impera o sobrenatural - que Santiago aceita sem problemas… - de uma forma que deixarei aos leitores (curiosos) descobrirem - mas que Santiago aceita sem problema.
Esta metamorfose radical de temática - igualmente válida e aceitável e igualmente consistente e bem trabalhada, mas que nada até aí fazia prever - e a divisão clara que provoca no relato e acaba por deixar o leitor um pouco como ‘o tolo no meio da ponte’, sem compreender o porquê da alteração e dividido entre um e outro registo que, embora representem duas faces possíveis - e até promovam abordagens interessantes - de uma mesma moeda, se tornam difíceis de aceitar no contexto em que surgem.
Por isso - ou também por isso, para ser mais justo - o aspecto mais saliente de El Inqusidor, acaba por ser o belo trabalho gráfico de Antonio Lucci. Assente em cor directa digital que evoca a aquarela clássica, revela-se à vontade, expressivo e dinâmico quer no realismo crítico inicial e na representação de época, ao nível arquitectónico e de vestuário, quer no (mais livre) contexto sobrenatural subsequente, conseguindo transmitir a atmosfera adequada em ambos os casos.

Nota final
Ao contrário do que tem sido habitual nas edições de material Bonelli pela Panini Comics, a edição não apresenta extras. O editor habitua mal os leitores e estes depois queixam-se...

Le Storie: El Inquisidor
Gianfranco Manfredi (argumento)
Antonio Luchi (desenho)
Panini Comics
Espanha, Abril de 2019
195 x 259 mm, 128 p., cor, capa dura
16,00

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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