11/07/2022

O Mergulho

Amplitude




Penso que, actualmente, com alguma amplitude, é possível definir a linha editorial da maioria das editoras portuguesas de BD.
E com alguma amplitude, felizmente, porque ela permite que - espreitando para lá das suas 'zonas de conforto', nos sirvam belas - e surpreendentes! - obras como este O Mergulho.

Nele, Séverine Vidal e Víctor Pinel contam como Yvonne, de 80 anos, deixa a casa onde viveu quatro décadas com o marido, onde os filhos nasceram e cresceram - onde estão quase todas as gratas recordações que a vida lhe deixou - para ir para um lar. Porque a idade não perdoa e porque os sinais de decadência, física e mental, a tal aconselham - ou obrigam? - num tempo em que filhos e netos não têm - ou não querem ter...? - tempos para os velhos. Nem todos da mesma forma, nem todos com a mesma indiferença, reconheço, mas o resultado final pouco muda...

No lar, com os empregados assoberbados e pouca sensibilidade - mais uma vez com uma excepção, possivelmente não por acaso, por parte do trabalhador emigrante (ou filho deles)... - Yvonne terá de se habituar às novas rotinas - ou à falta delas - e a procurar no fundo de si - e nalguns outros - razões e formas de (sobre)viver. Com as memórias a apagarem-se, com os rostos e as vozes de quem amou a desvanecerem-se...

Mergulho na velhice, escrevi atrás, como noutros casos - Rugas, L'Obsolescence programmée de nos sentiments, Apesar de tudo... - que serve para nos apresentar um retrato a um tempo terno e assustador.

Assustador - para começar pelo fim - porque todos, mais ou menos, tememos lá chegar. Sem saber como nem onde. Nem para quê.

Terno, porque Vidal e Pinel nos concedem a utopia? o grato prazer? a esperança? de dizer que mesmo aos 80 a vida é possível - apesar do peso da idade e das recordações (ou graças a elas).

Primeiro abatida, depois inconformada, finalmente procurando continuar viva, Yvonne, aceitando as mãos estendidas de Youssef (o cuidador), Martial (um dos filhos), Tom (um dos netos) vai reencontrar-se, aceitar-se e tentar aproveitar o tempo que resta.

Com um desenho feio, no sentido que traça sem escrúpulos nem concessões um retrato incómodo do envelhecimento, da degradação dos corpos e do apagar das mentes, mas de uma admirável expressividade que tanto nos mergulha na mais profunda tristeza como nos faz vir à tona respirar lufadas de boa disposição e sorrisos cúmplices, Pinel, assente também em tons suaves e impessoais, consegue o justo equilíbrio gráfico para nos deixar agradavelmente confortados e incomodamente assustados.


O Mergulho
Séverine Vidal (argumento)
Víctor L. Pinel (desenho)
Ala dos Livros
Portugal, Julho de 2022
220 x 295 mm, 80 p., cor, capa cartão
22,00 €

(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para apreciar mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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