Os pequenos nadas que nos tapam a visão
Confirmado como valor seguro para a banda desenhada portuguesa em 2019, como desenhador de
Toutinegra,
a partir de um argumento de André Oliveira, depois de histórias curtas em Crumbs ou a participação como colorista em O Impaciente Inglês, Bernardo Majer fez
recentemente o seu regresso às edições impressas com Estes
dias.
Colectânea
de histórias curtas, de que é autor completo, apresenta-nos uma
série de reflexões desenhadas que nos falam de momentos
característicos dos dias que vivemos.
Alberto sofre as dores da passagem das utopias pós-adolescentes para a dura realidade do mercado de trabalho a sério, monótono e nada estimulante; Carolina, vive o absurdo de uma relação tóxica iniciada após uma chantagem por partilha de fotos íntimas; João e Leo vivem de forma diferente o recente divórcio dos pais, mas ambos só desejam fugir para longe; Sofia, tem uma obsessão pelo namorado da melhor amiga; um casal sem nome assiste impotente ao aumento da distância entre ambos, até não haver pontes capazes de a transpor; Flor é intolerante à lactose e Rui não gosta de passagens de ano.
E, mesmo que involuntariamente, é esta última imagem que melhor define todos eles, pela sua incapacidade de mudança, de fuga às rotinas e ao rame-rame quotidiano vivido em lugar dos sonhos antigos de independência e auto-realização.
São pequenas histórias, contemplativas e intimistas, que ilustram a banalidade das existências nos nosso dias, os pequenos nadas que, por serem nossos, se transformam em enormes obstáculos que nos fazem ver o mundo de outra forma - ou nos impedem de vê-lo.
Baptizadas com o nome de alguns meses do anos, cada uma delas, de certa forma, está pintada com a paleta de cores que os evocam, reforçando assim a pertinência do momento e a assertividade da sua escolha como época da narração - embora as situações mostradas possam acontecer a qualquer momento do ano, que é como quem diz das nossas vidas.
Ao fim e ao cabo, são um conjunto de crónicas sensíveis sobre o nosso tempo, sobre os seus excessos e lacunas; crónicas atentas e certeiras mas sem as respostas que só cada um de nós poderá dar.
Estes dias
Bernardo
Majer
Polvo
Portugal,
Abril de 2022
175
x 245
mm, 80
p., cor, capa dura
13,90
€
(texto publicado no Jornal de Notícias online de 1 de Julho de 2022 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Polvo; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou na aqui reproduzida para a aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Pedro,
ResponderEliminaro Bernardo começou por colorir o "Impaciente Inglês" e pouco depois o Mário Freitas convidou-o para participar na Antologia Crumbs, onde fez uma história comigo. Logo nessa altura, a história que fizemos mostrou o talento do Bernardo e o seu estilo, estilo esse que seria similar ao que depois usou no Toutinegra. Além disso, também participou com o André Oliveira na CAIS.
Portanto, a estreia do Bernardo Madger em obra mais extensa foi no Toutinegra, mas ele já tinha sido descoberto como desenhador muito antes.
Abraço
Agradeço o complementar/corrigir da informação.
EliminarBoas leituras!