Declaração de amor à banda desenhada
‘Porém, é muito importante alertar que tudo, absolutamente tudo - cada encontro, cada conversa, cada troca de opiniões - representa, o fundo, um diálogo meu comigo mesmo.’
Ricardo Leite in Em busca do Tintin perdido
Ricardo
Leite é um autor brasileiro, famoso pelos seus trabalhos de
ilustração de capas de discos e de design, para além de ser o CEO
da famosa Crama Design Estratégico. E é também o autor de Em
Busca do Tintin Perdido,
que A Seita - em boa hora - decidiu editar em Portugal [na
versão não censurada, com todas as imagens ‘tintinescas’ tal e
qual foram desenhadas originalmente, ao contrário do que acontece na versão francesa].
Autor
que classifica este
seu livro como
‘uma
ficção autobiográfica’, mas para quem ama a banda desenhada da
forma que ele revela, é evidente que o seu relato é reflexo de uma
vida real.
Leitor de ‘quadrinhos’ desde os mais tenros anos, aos 13 anos esteve quase a cumprir um sonho; conhecer Hergé, mas o criador de Tintin estava de férias quando o jovem passou por Bruxelas. Esse desencontro, de alguma forma marcou-o e, anos depois, uma estadia de dois anos em França, para tentar afirmar-se como autor, levou-o de desilusão em desilusão, até a falta de fundos e a próxima paternidade o terem obrigado a regressar ao seu país. Aí, a vida real sobrepôs-se ao sonho e durante décadas tornou-se um dos melhores no seu ramo.
Finalmente, aos 55 anos, um divórcio levou-o a uma viagem iniciática a Bruxelas, onde pode espreitar no mais fundo de si mesmo, para perceber se os seus sonhos na verdade ainda estavam vivos, porque quando estamos numa encruzilhada precisamos de perceber se os nossos sonhos ainda são capazes nos levar até aquilo que queremos atingir.
O resultado, é este Em Busca do Tintin Perdido, uma obra que levou uma década a executar e uma vida a preparar e que se revela uma belíssima declaração de amor à banda desenhada, nos seus inúmeros estilos, temáticas e propostas, e um passeio por um século de História desta arte.São duas centenas de páginas intensas e profundamente emocionais, resultantes de um mergulho no seu âmago e de um passeio inquisidor e de descoberta da banda desenhada, ao longo das quais Leite conversa com os autores que ao longo da vida foi admirando, convive com as personagens que o fizeram viver momentos únicos e maravilhosos e, procurando no seu interior, redescobre a capacidade de ser feliz e ser capaz de fazer viver o seu sonho.
Nota pessoal
Sei que o que vou escrever pode soar um pouco pretensioso, mas longe de mim tal ideia. Nunca fui autor de banda desenhada - embora algures na altura da adolescência tenha tido algumas pretensões rapidamente abandonadas (felizmente!) - e também nunca tentei marcar encontro (pessoal) com Hergé como fez o Ricardo Leite, mas como ele também corri banca após banca, visitei quiosque após quiosque, em busca da revista que já podia ter chegado ali mas ainda não havia no anterior. E como ele, sonhei com muitas das personagens que me encheram os sonhos e me mostraram a vida.
Costuma dizer-se que os críticos são autores frustrados, que optam pela via mais fácil, a de apontarem nos outros o que não são capazes de concretizar. Há uns anos, tive uma ideia - ou talvez seja mais justo dizer que imaginei um conceito, que passava por narrar a minha vida balizada pelas bandas desenhadas que ao longo dela foi lendo, ilustrado até por cenas ou momentos desses quadradinhos que foram (tantas vezes) especiais. Soube de imediato que era algo de irrealizável e até utópico para mim.Agora na leitura deste Em Busca do Tintin Perdido, senti que foi o mais próximo que eu alguma vez estive de o ver concretizado. Na verdade, nele encontrei tanto de mim (das minhas experiências) que, com toda a humildade, quase posso escrever que - com as inevitáveis divergências - era o livro que eu gostava de ter feito. Sei que não tenho a capacidade de escrita e de desenho de Ricardo Leite, mas a verdade é que me reconheci em muitas das múltiplas referências existentes nele, que aqui e ali, uma e outra vez, me fizeram retroceder ao meu passado.
(Também) por isso, um imenso obrigado, Ricardo Leite!
Em
busca do Tintin perdido
Ricardo
Leite
A
Seita
Portugal,
Junho de 2023
220
x 290 mm, 220
p., pb,
capa dura
26,00
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias online a 28 de Julho de 2023 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas por A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Aguardo a entrega pela WOOK e depois desta impactante análise ainda estou mais curioso
ResponderEliminarAcabei de ler. Adorei. Todos nós que amamos a BD nos reconhecemos em muitas partes do livro desde logo nessa ansiedade juvenil de contar os dias para a saída do novo número, nessa viagem constante pelas bancas e livrarias. E o encontro com tantos nomes de autores que têm sido nossos guias neste percurso, que nos têm embalado em tantos sonhos. Este livro é um marco, é essencial e deve ser lido por todos
ResponderEliminarSem dúvida, Jorge, subscrevo.
ResponderEliminarBoas leituras!