O homem mais inteligente do mundo
Um dos melhores exemplos do potencial que a banda desenhada tem, é a forma como, em tempos recentes, tem abordado duas temáticas que durante anos foram marginalizadas pelos seus leitores mais fiéis: a adaptação de romances e a biografia.
Curiosamente, em clara oposição, essas temáticas eram aposta dos que consideravam a BD arte menor ou ‘para crianças’. Dessa aposta, então, nasceram muitas obras maçudas e pouco estimulantes, muitas vezes mais próximas do texto ilustrado do que da banda desenhada em si.
O regresso a estas temáticas, tem sido feito da forma correcta, não enumerando dados biográficos à exaustão ou ilustrando longos excertos de obras, mas apostando na narrativa sequencial, no equilibro entre texto e desenho e na noção fundamental da interpretação pelo leitor do espaço branco entre as vinhetas.
Feynman, edição recente da Gradiva, exemplifica-o de forma muito conseguida na evocação da vida de uma personalidades de eleição, como foi Richard P. Feynman (1918-1988) que, para além de ter sido músico, desenhador, arrombador de cofres e contador de histórias, trabalhou no desenvolvimento da bomba atómica de Hiroshima, foi laureado com o Prémio Nobel da Física, inovou no domínio da Electrodinâmica Quântica e fez parte da equipa que investigou as origens da explosão do vaivém Challenger.
A sua vida em cheio, sempre atento às pequenas coisas que, em conjunto, originam os grandes fenómenos, e apostado em falar sobre eles de forma a torná-los simples e acessíveis ao maior número, é o tema deste romance gráfico com quase três centenas de pranchas.
Narrado na primeira pessoa, revela uma invulgar fluidez, tendo em conta a imensa quantidade de informação transmitida e também a enorme complexidade de muita dela, conseguindo seduzir o leitor e levá-lo página após página na peugada de um homem extremamente inteligente - o mais inteligente do mundo mesmo, na citação presente na capa.
O traço simples, mas dinâmico e expressivo, uma boa utilização da cor para evitar a queda na monotonia na sucessão das páginas e, principalmente, o recurso a diálogos equilibrados, assertivos e estimulantes, com o todo combinado num relato ritmado que nos deixa recorrentemente em suspenso sobre o que se seguirá, mesmo tratando-se de uma biografia, fazem deste um livro a ler de forma apaixonada, sim, mas também uma obra sobre um homem exuberante, que ao contrário do que assevera o ditado, tinha muito de sábio e muito de louco, e que nos leva a pensar e reflectir sobre a simplicidade dos fenómenos complexos que nos rodeiam e gerem o nosso mundo.
Feynman
Jim
Ottaviani (argumento)
Lelland
Myrick (desenho)
Hilary
Sycamore (cor)
Gradiva
Portugal,
Julho de 2023
152
x 215 mm, 272 p., cor, capa cartão com badanas
25,50
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 22 de Julho de 2023; imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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