20/12/2023

Un homme qui passe

A única mulher que



Há autores que na nossa mente ficam indelevelmente associados a uma obra ou uma série. Para mim, no caso de Dany, ele é o criador gráfico do maravilhoso universo de Rêverose, onde vivem Oliver Rameau,Colombe Tiradaille e todos os seus espantosos amigos.
Por isso, nunca lhe perdoei o que fez a Bernard Prince e nunca consegui fechar nenhuma das suas propostas realistas sem ter (re)visto a bela Colombe em cada uma das suas personagens femininas.

Nos últimos tempos, comecei a reler aquela série de, literalmente, sonho, e descobri Equator e Arlequin, antes de, nesse périplo pela obra de Dany, chegar a este Un homme qui passe.

E, o que me apetece escrever a abrir, é que Dany tem aqui, sem sobra de dúvida, o melhor trabalho realista que lhe conheço. Basta ver, por exemplo, as pranchas que o abrem, com uma tempestade a abater-se sobre a ilha em que vive o protagonista, para nos deixarmos prender pela violência das ondas, a intensidade do vento, a forma como mar bate nas rochas e coloca em risco a embarcação que nele se aventurou, a dor e a tensão que a face envelhecida do homem exala sob o temporal...

E é nesse mesmo momento que ele, Paul, fotógrafo de sucesso e um dos protagonistas, a que o autor emprestou o seu físico e os seus traços fisionómicos, tomou uma decisão limite que está disposto a concretizar, quando descobre uma jovem, Kristen, a outra protagonista, em perigo, no pequeno iate em risco de naufragar.

O encontro dos dois, a descoberta de fotos de belas mulheres no quarto de alguém que se notabilizou a retratar locais, vai desencadear um rol de pequenas histórias apaixonantes, a evocação de uma série de momentos românticos intensos e escaldantes, de histórias de amor que ele viveu e se dispõe a contar...

...que, no entanto, a sua visitante ouve como memórias deturpadas de um machista indefectível, incapaz de ver o mal que, na sua forma de ver, provocou nas suas sucessivas parceiras.

De Dany, para além do contributo no argumento, recebemos mais uma vez uma demonstração da mestria na planificação, muitas vezes livre dos limites que o traço negro impõe às vinhetas, a teatralização das cenas para privilegiar e regrar o sentido de leitura e, acima de tudo, mais uma vez, personagens femininas belas e de enorme sensualidade - a longa conversa entre Paul e Kristen, com esta a envergar apenas um roupão de banho, é toda uma história no seio do relato alargado, que faz os leitores sonhar, nada inocentemente.

Para o leitor, embalado no relato que Lapière e Dany desenrolam perante os seus olhos, primeiro seduzido por Paul, depois confrontado por Kristen, torna-se difícil aceitar uma ou outra posição, e as sucessivas surpresas e inflexões narrativas que vão ter lugar, acabam por levar a que nos deixemos arrastar, sem querer julgar ou tomar partido, por um relato intenso, dramático e trágico, que vai assumindo diversos matizes e cujo final não seremos capazes de antecipar.


Un homme qui passe
Colecção Aire Libre
Denis Lapière (argumento)
Dany (argumento e desenho)
Dupuis
Bélgica, 2020
237 x 310 mm, 72 p., cor, capa dura
16,00 €

(imagens disponibilizadas pela Dupuis; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

6 comentários:

  1. Não esquecer "História sem Heróis", desenhado por Dany! Era miúdo quando o li/vi e marcou-me para sempre!...
    Diogo Figueira

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    Respostas
    1. Sim, o História sem heróis é uma excelente história, que marcou muitos leitores exactamente por isso: por não ter heróis, numa época em que eles imperavam.
      ...e apesar da Colombe Tiredaillle... ;)
      Boas leituras!

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  2. Francamente os trabalhos do Dany no Bernard Prince são mesmo mauzinhos mas ainda não li a Dynamitera e o Poison Vert de Greg e Aidans e na verdade até tenho medo de ver :)

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    Respostas
    1. Li recentemente o La Dynamitera e, foi uma agradável surpresa, em termos de história e, principalmente, da arte do Aidans. Não fica nada mal ao lado do restante da série. Quanto ao Poison Vert, os preços que alcança (sem que perceba porquê) são completamente proibitivos.
      Boas leituras!

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    2. Deve ser para a droga, só pode! o Poison Vert está entre 90€ e 130€, dependendo dos locais, e livros novos de editoras. Ridículo.

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    3. E refiro-me a edições em lingua ingles e francesa. Vou é sacar, deixa-me ver no Tralhas...

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