Com os 7 primeiros livros - a ‘colheita’ de 2023 - já nas livrarias, importava saber o que é o projecto BD PALOP e como funciona.
E ninguém melhor do que José de Freitas, um dos membros da cooperativa editorial A Seita, parceira portuguesa do projecto.
Perguntas e respostas, já a seguir.
As Leituras do Pedro - Como nasceu o projecto BD Palop e como entrou nele A Seita?
José de Freitas - Originalmente, foi a DGLAB que nos convidou a participar numa conferência de apresentação do programa ProCultura, que são fundos da UE, geridos pelo Instituto Camões e pela Gulbenkian, para apoiar projectos culturais em países de língua oficial portuguesa (excluindo o Brasil).
Quem nos representou no evento foi o Bruno Caetano, que teve a ideia de montar um projecto de BD, e falou com a Anima, uma empresa de Moçambique, que trabalha também na área da animação e com quem ele tinha já tido contactos. A Anima, e o seu sócio principal, com quem trabalhamos de forma mais próxima, o Fábio Ribeiro, já estavam atentos ao projecto, e aliás concorreram noutras áreas.
O
ProCultura tem como objectivo programas de cultura que consigam
estabelecer alguma "perenidade" e que sirvam de pedra de
lançamento de centros culturais ou de actividade para além da
duração do programa, que são três anos.
Assim,
os parceiros iniciais no projecto BD Palop foram a Anima, que se
posicionou como o parceiro principal, e A Seita, que entrou para
gerir de certa maneira o "know-how" na BD.
As
Leituras do Pedro - De que forma A Seita geriu este projecto?
José
de Freitas - Tivemos
logo de início a ideia de criar um programa que combinasse aspectos
que nós conhecemos de Portugal - bolsas de criação de BD - com
aspectos
que nós sempre achámos que seriam úteis em complemento, que no
caso foram: 1) uma parte grande de "formação", com
autores consagrados a darem workshops (online) sobre todos os temas
que presidem à criação de uma BD, grosso modo organizados em
Trabalhos preliminares (argumento, storyboard e planeamento), Desenho
e arte-final, uma parte posterior
de cores e preparação da BD, seguida de balonagem/legendagem, e
finalmente alguma formação na área do que é a edição,
contratos, direitos, etc... 2) mentoria, no sentido de que cada
equipa (são três equipas por país, Moçambique, Angola e Cabo
Verde) de criadores seja acompanhada por um "mentor", um
autor
consagrado que vá servindo de consultor, acompanhante e apoiante, e
finalmente 3) a edição dos livros uma vez entregues e
aprovados.
Nesse sentido fomos à procura de parceiros em Angola e Moçambique, que encontrámos no estúdio BomComix, em Luanda, e na associação JovemTudo em Cabo Verde. E no Brasil trabalhamos também com duas entidades já da área comercial, para a distribuição dos livros fisicamente no mercado brasileiro, mas também para a criação de formatos digitais das bandas desenhadas produzidas.
As
Leituras do Pedro - Há outros aspectos que queiras destacar?
José
de Freitas - O
projecto procura também ser baseado em critérios de igualdade e de
equilíbrio de género, e temos tido a felicidade de,
por um lado, entre os formadores e mentores, termos
bastantes autoras e especialistas mulheres (bem como entre os jurados
que escolhem os projectos candidatos às bolsas), mas por outro lado
também entre os autores vimos surgirem muitas autoras, como está
bem patente na primeira leva de livros produzidos.
Pequeno pormenor interessante e divertido: o nosso foi o único projecto aprovado pelo ProCultura que estava sediado em África, todos os outros são liderados por empresas ou instituições sediadas em Portugal...
As
Leituras do Pedro -
Que expectativas havia? Cumpriram-se?
José
de Freitas - Honestamente,
não havia expectativas muito claras, A situação do "mercado
de BD" nos países Palop é muito desigual entre países, e
muito incipiente de certo modo, apesar de neles existirem aqui e ali
autores já consagrados e a trabalhar para outros mercados. Aos
parceiros locais cabe muito do trabalho de divulgação do projecto e
de “angariação” de candidatos, e fomo-nos dando conta de que,
por um lado, em termos “institucionais” essa divulgação não é
muito fácil e não chega se calhar a todos os interessados; por
outro, via grupos de Whatsapp,
de Facebook, etc... a informação espalhou-se muito depressa.
De
igual modo, as candidaturas são de qualidade muito variável. Foi
interessante ver que, no primeiro ano, provavelmente recebemos mais
candidaturas de autores a iniciar-se, com menos experiência, e que o
júri deu notas muito, muito parecidas aos projectos, resultando em
selecção quase unânime; mas no segundo ano, já
em marcha,
devo dizer que a qualidade média dos projectos subiu um pouco (bem
como o número de candidaturas, que andou pelas trinta e muitas). Dá
a sensação de que se calhar houve criadores que ficaram à "espera
para ver" como as coisas se passavam no primeiro ano.
Há
muitos desafios até técnicos no projecto, é preciso do nosso lado
garantirmos p.ex. que os criadores têm acesso a ligações de
internet boas, para participarem nas formações, etc…
José de Freitas - Foi muito interessante, porque para mim, olhando para as propostas que recebemos, para a qualidade (muito variável) dos projectos candidatos, para a interacção com os formandos durante as sessões online, etc... é quase como se estivéssemos a recapitular a história da BD em Portugal naqueles anos pós-revista Tintin, em que surgiram imensos autores, uns que continuaram a produzir, outros que desistiram, uns muito bons, outros menos, e em que vimos ser recapitulada muita da evolução da BD e da sua linguagem. Mas mais que tudo, sentimos imenso entusiasmo da parte dos autores, e uma sede genuína de informação e conhecimento: as formações são fantásticas, com autores e criadores portugueses e brasileiros a trocar conhecimentos com os criadores africanos, e uma enorme vontade por parte destes de perceber melhor a linguagem da BD, e de melhorar o seu trabalho.
As
Leituras do Pedro -
Em
que ponto está o projecto?
José
de Freitas - Neste
momento, estão já disponíveis sete dos nove trabalhos do primeiro
ano do projecto BD PALOP,
sob forma física. Os restantes dois, tendo sido entregues depois do
prazo, o que impossibilitou que fossem impressos com a primeira leva,
serão disponibilizados em formato digital posteriormente.
As Leituras do Pedro - Os livros estão já à venda em Portugal. Como vai ser a sua comercialização nos outros PALOP e no Brasil?
José
de Freitas - Em
Portugal os livros foram
para o mercado durante o mês de Novembro e terão distribuição em
banca, em data ainda não definida mas provavelmente
Dezembro/Janeiro.
No
Brasil, os
livros estarão à venda a
partir de Fevereiro/Março, provavelmente, com uma ênfase inicial em
eventos e vendas online, mas também em livrarias especializadas,
através da nossa parceria com a editora Faria e Silva, e com o
estúdio e editora Universo Guará, com quem
estamos
a desenvolver a versão digital das bandas desenhadas.
Nos
países Palop que integram o projecto, os livros já estão
apresentados e distribuídos, mas, por enquanto ,não está prevista
a comercialização em Timor-Leste nem
na Guiné-Bissau.
As
Leituras do Pedro - E
agora?
José
de Freitas - Estou
muito, muito seguro, que ao longo dos três anos a qualidade dos
livros irá em aumentando, e que no final teremos 27 obras que irão
de certo modo marcar a história da BD nos países PALOP.
É
esse, na
verdade, o impacto que acredito que o projecto terá numa futura
geração de criadores. Haverá um antes e um depois do BD PALOP!
E
espero que os leitores portugueses adiram arriscando na descoberta
destes livros e destes
autores.
(entrevista, feita por correio electrónico, que esteve na origem do artigo BD PALOP - Novo projecto abre fronteiras a falantes de Língua Portuguesa, publicado na edição de 28 de Novembro de 2023 do Jornal de Notícias; imagens cedidas por A Seita; clicar nesta ligação para ver mais imagens ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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