05/03/2024

Patos

Dois anos de vida num mundo de homens



A mudança de paradigma em relação à banda desenhada, em Portugal, nos últimos anos, é evidente e só isso explica, por um lado, a multiplicação de edições que fogem à oferta mais óbvia e, por outro, a aposta neste género por parte de editoras que ainda há poucos anos não incluíam esta forma narrativa nos seus catálogos.
Patos, de Kate Beaton, é um dos exemplos recentes que comprova o escrito atrás.

Distinguida com dois Eisner, um dos prémios para a BD mais prestigiados nos EUA, é uma obra autobiográfica que, ao longo das suas mais de 400 pranchas conta a experiência vivida pela autora nas areias petrolíferas canadianas.

Passo a contextualizar: terminados os estudos numa área artística, Kate Beaton teve de encontrar um emprego bem pago para fazer face aos pesados encargos do seu empréstimo de estudante, uma realidade presente no Canadá e nos Estados Unidos, inexistente entre nós.

Na época, em 2005, para uma jovem da pequena localidade de Cabo Bretão, a zona das areias petrolíferas de Alberta soava como o Eldorado, pois os empregos, nos armazéns de ferramentas a condutor de maquinaria pesada, passando pela exploração das minas, eram pagos bem acima da média.

No reverso da medalha, implicava viver num local que, pelo seu isolamento natural, funcionava quase como uma prisão, para mais num mundo maioritariamente de homens - em média cinquenta por cada mulher - com todo o tipo de consequências imagináveis, do assédio ligeiro e bem intencionado, se é que tal existe, até à violação.

Entre a necessidade de resolver o seu problema financeiro, com o inevitável excesso de horas de trabalho, a solidão implícita numa ocupação num local de onde raramente se sai, as muitas frustrações experimentadas, os equívocos, a vontade cíclica de deixar tudo, a falta de distracções e o sentimento de culpa por algumas das decisões tomadas, Kate Beaton narra de forma contida, sem qualquer intenção panfletária, de modo quase sistemático, com um certo desprendimento defensivo e até a compreensão de quem consegue avaliar os vários pontos da questão, os dois anos que passou em sucessivas explorações de petróleo.

O traço utilizado para o fazer é algo simplista e caricatural, o que ajuda a atenuar a carga dramática da obra, mas eficaz em termos narrativos e foi mesmo através da banda desenhada que a autora encontrou o equilíbrio necessário e a forma de combater e ultrapassar os efeitos nefastos que aquele tipo de vida provoca.


Patos
Kate Beaton
Relógio D’Água
Portugal, Fevereiro de 2024
171,5 x 228,6 mm, 440 p., pb e cinza
26,00 €

(versão revista do texto publicado na página online do Jornal de Notícias de 23 de Fevereiro de 2024 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Relógio D’Água; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

5 comentários:

  1. As imagens disponibilizadas pela Relógio D’Água continuam a não corresponder á obra impressa. Porque é que insistem neste comportamento é para mim uma incógnita. Quem tiver curiosidade procure em outro lugar….

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    1. Ainda bem que avisa, já fui procurar noutro lugar, porque estas imagens disponibilizadas parecem fotocópias de má qualidade por comparação.
      Alguém, se é como eu, ao ver estas imagens aqui, fica logo de pé atrás e não equaciona comprar, depois de pesquisar estou mais interessado mas claro que tenho de comprovar na própria edição.

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    2. De nada. Já tinha comentado sobre o assunto noutro forúns. Desinteresse, negligência, pouco profissionalismo ou todos eles? O leitor que decida...

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  2. É problema das imagens, a edição está bem impressa.
    Boas leituras!

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