07/08/2024

Clássicos da Literatura Portugueses em BD - Entrevista com Ricardo Santo e André Oliveira





Oitavo volume da colecção Levoir/RTP Clássicos da Literatura Portugueses em BD, O Crime do Padre Amaro teve autoria de Ricardo Santo e André Oliveira que, como outros autores já publicados, responderam ao questionário padrão que As Leituras do Pedro criaram a propósito deste projecto.
Perguntas e respostas, trocadas por correio electrónico, já a seguir.

As Leituras do Pedro - A escolha da obra foi tua ou da editora?

Ricardo Santo: Da editora.

André Oliveira: Confirmo.


As Leituras do Pedro - E a escolha do desenhador para a ilustrar?
Ricardo Santo: O mesmo.

André Oliveira: Exacto.


As Leituras do Pedro - Já conheciam a obra? O que trouxe adaptá-la?
Ricardo Santo: Nunca tinha lido o romance. Nem nunca vi nenhuma das adaptações que já se fizeram para cinema ou para televisão. A única referência que tive foi mesmo o romance, depois de o ter lido.
Tinha lido outras coisas do Eça, há muitos anos atrás. Mas já me tinha esquecido da sua fina ironia, e da capacidade que tinha para criar personagens memoráveis. Nesse sentido, e não querendo ser presunçoso, mas sendo, senti-me bastante confortável com a história, dado que tendo a mover-me muito nos mesmos territórios narrativos.

André Oliveira: Por acaso também nunca o tinha lido. Li outras obras do Eça e gostei de todas, pela forma como trabalha a narrativa e as personagens. Quando aceitei o desafio confesso que não estava consciente do trabalho que daria e do esforço mental que exigiria da minha parte. Ao longo do processo, fiz o meu melhor para manter-me fiel à escrita do Eça, assim como ao enredo em si, mas tive de estabelecer compromissos e mexer mais do que gostaria. São mais de 400 páginas de texto literário em 48 de BD. A adaptação trouxe sangue, suor e lágrimas, mas também uma grande satisfação e orgulho relativamente ao resultado final.


As Leituras do Pedro - Se a escolha fosse livre, sem limitações, que obra gostavam de adaptar?
Ricardo Santo: No meu primeiro livro, que auto-editei, fiz uma adaptação da Dama Pé-de-Cabra, de Alexandre Herculano. E na época, ainda namorei a ideia de adaptar alguns contos de As antigas e novas andanças do Demónio, de Jorge de Sena.
A nível de "grandes clássicos" não há assim nada mais que me desperte particular interesse.
Embora hajam vários autores e livros não tão antigos que a meu ver se poderiam prestar a adaptações para BD, que poderiam ser interessantes. O Luiz Pacheco ou o Diniz Machado, são dois exemplos de autores da mesma geração que me vêm agora
à cabeça, mas há outros.
Embora os meus interesses, de momento, não passem muito por fazer mais adaptações de romances.

André Oliveira: Tive uma experiência de adaptação no passado de que não gostei e julguei ter aprendido a lição. À partida, não é algo que me dê muito gozo fazer, prefiro contar as minhas histórias. E apesar de ter ficado satisfeito com o trabalho que fizemos com este livro do Eça, não é algo que ambicione ou pense voltar a fazer.


As Leituras do Pedro - Como se adapta uma obras destas a BD? Quais as principais dificuldades?
Ricardo Santo: A principal dificuldade é condensar um livro de 500 páginas numa BD de 48. Sendo que o prazo também não dá margem para grandes manobras ou correções.
Tenta-se fazer o melhor possível, sabendo de antemão que não será o melhor desejável. Muita coisa acaba forçosamente por ter de ficar de fora. E isso às vezes custa um bocado a digerir.

André Oliveira: Sim, concordo. Como já disse, todas as nuances e build ups do Eça acabam por ficar seriamente comprometidos nesta transposição de media. A banda desenhada é uma linguagem específica que assenta numa dinâmica de “show, don’t tell”. Assim, todas aquelas descrições e narrações fantásticas têm de ser transpostas para ação e isso não é nada fácil de fazer. Há episódios importantes do livro que, para serem contados como deve ser, precisariam de várias páginas de BD. Páginas essas que não tínhamos disponíveis. E não me peçam para condensar tudo ao máximo e contar ações importantes em três vinhetas porque isso não sei nem consigo fazer.


As Leituras do Pedro - Como foi o vosso processo de trabalho?

Ricardo Santo: Lemos os dois o livro mais ou menos ao mesmo tempo. E fomos trocando impressões durante o processo de leitura.
O André enviou-me um guião detalhado, com diálogos, descrições das cenas e
layouts das pranchas.
Eu segui o guião dele o melhor que pude. Mas houve alguns momentos pontuais em que senti necessidade de saltar fora das indicações dele, por razões sobretudo práticas, de enquadramentos difíceis de fazer, ou necessidade de puxar um pouco mais pelas minhas mais-valias a nível de desenho.
O André foi bastante recetivo quanto a isso.
Mandei-lhe as pranchas desenhadas e ele fez a legendagem
a posteriori. Muitas vezes também adaptando o texto de modo a enquadrá-lo melhor com as minhas alterações a nível de desenho. Foi um processo muito colaborativo e dialogante, em que discutimos abertamente as nossas concordâncias e discordâncias, mas sempre respeitando os limites do papel de cada um, e a fidelidade ao romance do Eça.

André Oliveira: Sim, foi exatamente isso. Mesmo sem nos conhecermos ou alguma vez termos trabalhado juntos, foi um processo fluído e construtivo.


As Leituras do Pedro - Que expectativas têm?

Ricardo Santo: Não tenho. Não faço ideia se será um êxito de público ou de crítica, ou se passará completamente despercebido. São questões que estão em grande medida fora do meu controle.
Gostei de o ter feito com o André. E é sobretudo isso que retiro da experiência.
Uma boa relação de trabalho. E uma boa relação pessoal. Pelo menos da minha parte!
O resto não é tão importante para mim, dado que não é um trabalho autoral nosso por inteiro. Foi simplesmente um encargo que nos foi feito. E que nós tentámos cumprir da melhor forma que conseguimos.

André Oliveira: Não tenho. Até porque não tenho visto grandes reações aos livros da coleção que têm saído. De qualquer forma, as minhas expetativas são sempre no início de cada projeto. Queria ver como me saía a adaptar esta obra e como correria a colaboração com o Ricardo. Nesse sentido, fiquei duplamente contente e isso para mim chega. Muito em breve, o livro ficará acessível aos leitores e deixará de ser “nosso”. Aí, só me resta desejar que as pessoas gostem e que venda bastante.


As Leituras do Pedro - Qual a importância de uma colecção como esta?
Ricardo Santo: É importante, na medida em que dá a conhecer o trabalho dos autores de BD portugueses a um público que não será tanto o consumidor habitual de banda desenhada.

André Oliveira: Não sei avaliar. Não acho que a BD tenha o papel de suavizar obras de outros contextos e de ser uma espécie de veículo light para introduzir os livros, sobretudo para um público mais jovem. Muita gente acha isso e considero insultuoso. Acho que a importância desta coleção depende muito do trabalho dos autores. Se se envolverem e produzirem boas adaptações, será positivo porque dignifica as obras originais e a própria banda desenhada. Caso contrário, será apenas mais uma forma de rentabilizar textos em domínio público.


(imagens disponibilizadas pela Levoir e por Ricardo Santo; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais s0bre os temas destacados)


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