Como uma nuvem de poeira sufocante
Sentados em confortáveis sofás, com um sedutor livro nas mãos, estamos longe de imaginar as dificuldades e as situações limite que outros sofrem quotidianamente. Mas talvez as possamos de algum modo entender quando, como em Dias de Areia, essas realidades nos entram pelos olhos dentro, como uma nuvem de areia sufocante.
O relato decorre nos Estados Unidos, em 1937, ainda arrasados pelos efeitos da Grande Depressão de 1929, e centra-se no chamado Dust Bowl, uma zona comum a diversos estados do Centro e Sul que, na época, também devido à agricultura intensiva e ao excesso de gado, se transformou num autêntico deserto, assolado por calamitosas tempestades de areia, que agravavam uma vida já de si quase impossível devido à fina camada de poeira constantemente no ar. Uma agência governamental recém-criada, a Farm Security Administration, decide contratar um fotógrafo, John Clark, para documentar aquela realidade, tentando assim conseguir apoios para os agricultores.
'Menino da cidade', com uma relação difícil com o pai, um fotógrafo famoso com o mesmo nome, John parte para descobrir uma realidade desconhecida e insustentável, inimaginável para um citadino, tentando reproduzi-la em imagens que façam a diferença.
Relato de uma busca iniciática, em que as condições climatéricas reais - que na actualidade correm o risco de se repetirem - são também uma metáfora da forma como a sombra tutelar do pai sufocou John durante anos, Dias de Areia encontra no equilíbrio entre a insegurança e a revolta do homem e a intensidade devastadora da natureza, a força para nos proporcionar um relato que alia à faceta documental um tom profundamente humano. Embora dificilmente feliz, apesar de um ou outro momento que brilha por entre o pó.
Quanto ao belo traço de Aimée de Jongh, servido por um colorido que evoca e reproduz o clima sufocante, ele comprova como uma imagem - um livro cheio delas - pode valer mais do que mil palavras, mesmo quando as personagens muitas vezes encenam perante a objectiva as situações dramáticas para acentuarem a tragédia que vivem seres como cada um de nós.
Dias
de Areia
Aimée
De Jongh
ASA
Portugal,
Junho d 2024
204
x 269 mm, 288
p., cor,
capa cartão com badanas
29,90
€
(versão revista do texto publicado na página online do Jornal de Notícias a 26 de Julho de 2024 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Não tenho aqui à mão a edição original mas se bem me recordo a autora passou longis meses nos EUA a investigar sobre o tema..."in loco". É um trabalho fantástico, como bem descreves.
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