23/09/2024

O combate de Henry Fleming

A guerra pelos olhos de um
campónio




Depois do muito aconselhável Uma estrela de algodão negro (Ala dos Livros, 2023), com O combate de Henry Fleming, Steve Cuzor, agora a solo, afirma-se como um dos grandes cronistas gráficos actuais da guerra, pela forma como o seu traço preto contrastante, realista e revelador nos mostra horrores inomináveis.

Após aquela incursão na II Guerra Mundial, nesta nova e cuidada edição da Ala dos Livros, como é apanágio da editora, Cuzor leva-nos a recuar até 1863, à batalha de Chancellorsville, durante a Guerra da Secessão norte-americana, que provocou mais de 20 mil mortos e feridos.

Adaptação do romance homónimo de Stephen Crane - uma moda que parece ter vindo para ficar... - , que Paul Auster considerou "o primeiro modernista americano", a obra recusa a faceta mais espetacular do confronto, optando por mergulhar no mais íntimo do protagonista, Henry Fleming, como "um retrato psicológico do medo".

E é esse medo que Cuzor nos retrata, com um traço realista cru que não doura a violência, não a usa como chamariz, mas torna-a omnipresente como pano de fundo, embora centrando o relato no que Fleming pensa, sente e experencia e nas decisões que toma, por vezes em contradição com os seus sentimentos.

Simples camponês, que o sentido moral impeliu a alistar-se, num tempo em que a guerra era feita de constantes avanços e recuos, sob o fogo dos canhões e os tiros das espingardas, cara a cara com o inimigo, apenas pobres diabos iguais a si, Fleming, durante os sucessivos combates, a adivinhar nos olhos dos outros o mesmo medo que ele próprio sente, vai balançar entre o mais puro pavor e a vontade de desertar e o arrojo temerário provocado pela adrenalina, no difícil equilíbrio entre a própria sobrevivência ou a defesa da causa que o levou a voluntariar-se e o desejo de ser um herói reconhecido por todos.

Fugir como lhe diz a cabeça ou carregar sobre o inimigo como mandam os oficiais, observadores à distância do conflito mortífero, são as opções que se apresentam a Fleming, numa guerra em que, afinal, ele e os companheiros são descartáveis, apenas números na contagem de vítimas.


O combate de Henry Fleming
Steve Cuzor, segundo Stephen Crane
Ala dos Livros
Portugal, Agosto de 2024
235 x 310 mm, 152 p., cor, capa dura
33,00

(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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