Verborreia
Uma
das (muitas) imagens fortes que guardo das minhas passagens pelo
Festival de Angoulême no final do século passado - já! - é uma
parede coberta com os álbuns que Greg assinou durante a sua
prolífera carreira de argumentista mas também de desenhador.
Diz-me
a memória que eram 367, mas não sei até que ponto posso confiar
nela.
Entre as suas múltiplas criações - algumas das quais me marcaram para sempre e a que volto recorrentemente com prazer, como Comanche ou Bernard Prince - estava também Achille Talon, de fato e colete, ventre proeminente e brilhante careca.
Criação de Greg na dupla vertente referida, possivelmente uma das mais pessoais, tenho com ela uma relação de sedução/rejeição, de difícil equilíbrio, porque nem sempre há disposição e paciência para desfrutar daquela que é, possivelmente a mais verborreica personagem da banda desenhada. Apesar disso, reconheço nesta série humorística uma ironia e um sentido de humor únicos, que se tornam especialmente deliciosos quando Greg a decide utilizar para explorar o universo da própria banda desenhada.
Este álbum, que reúne uma série de histórias curtas centradas na revista Polite - uma clara e óbvia referência à Pilote onde Talon era então publicado e de que Greg chegou a ser chefe de redação - é exemplo perfeito disso. [Como o é, também, de certa forma, num contexto diferente, O ABC da BD que teve edição portuguesa da Meribérica, na coleção 16x22.]
Na tal Polite, o habitual mau feitio de Talon, a sua auto-suficiência e o seu convencimento próprio tornam-no um grande empecilho quando tenta regressar à revista de quem em tempos foi, na sua óptica, a grande figura de proa, para desespero de quem agora a gere e nela trabalha e do próprio Greg, por vezes também personagem da sua própria história.
Com o recurso aos diálogos claramente excessivos mas habilmente escritos, considerações sobre gestão de stocks, (auto-)promoção, planificação de pranchas ou a auto-destruição de modelos tradicionais de narrar em BD, Greg proporciona uma série de sátiras quer à criação de banda desenhada, quer à sua publicação em revista, quer à sua edição propriamente dita, algumas das quais certamente inspiradas da sua vivência pessoal na Pilote ou na Tintin.
Lembrando mais uma vez que nem sempre existe pachorra para desfrutar plenamente de Achille Talon, a verdade é que este é um álbum que merece uma leitura atenta e a disponibilidade para o fruir na sua plenitude.
Achille
Talon et la vie secréte du journal... Polite!
Greg
Dargaud
Bélgica,
[1983]
210
x 297 mm, 48 p., cor, capa dura
12,50€
(imagens disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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