Como evitar?
Por
muito que tente, a cada novo Lucky
Luke
- Blake
e Mortimer,
Astérix...
- é incontornável - e incontrolável... - fazer a comparação com
o que de melhor - Goscinny, Jacobs, Goscinny outra vez... - cada
série tem.
O
que é redutor e até injusto para os novos autores.
Vou ser claro: há alturas na vida próprias para fruir integralmente cada obra. Que variam conforme a maturidade (ou a falta dela), a sensibilidade e o momento intrínseco para cada um.
Ler o Lucky Luke - o Blake e Mortimer, o Astérix... - na adolescência/juventude, para mais o de Goscinny - Jacobs, Goscinny outra vez... - foi a altura ideal para mim. Porque estava de espírito aberto e mente ainda pouco formatada. E porque os pude aproveitar no meu tempo.
Agora, mesmo não querendo, é inevitável comparar.
E, reconheço, reconhecido, que no caso concreto de Um cowboy sob pressão, chegado hoje às livrarias portuguesas, Jul, mais uma vez, saiu-se bem de uma tarefa custosa e exigente. O álbum segue o canône, tem ritmo, é divertido e proporciona aquilo que esperamos dele.
Alguns gostariam de um pouco mais de Rantanplan? É natural.
Espíritos obtusos - ia escrever sensíveis, mas obtusos é mesmo o termo adequado - poderão escandalizar-se com o retrato feito dos alemães: de narizes grandes, muitas vezes rechonchudos e incapazes de viver sem cerveja? Infelizmente é fruto do tempo, mas desta vez talvez passe sem o álbum ser retirado do mercado...
Mas, fora estes pormenores, o que era expectável está lá: inspiração em figuras históricas, referência ou participação (involuntária) de outras, como o avô de Trump ou um determinado par de velhos jarretas que as gerações mais novas não reconhecerão; a aparição ou citação de personagens ou momentos marcantes da própria série; a localização do relato num cenário original, a chamada mas esquecida 'cintura alemã" dos EUA; os Dalton em todo o esplendor da sua estupidez; a cumplicidade entre Luke e Jolly Jumper; uma situação base que, se soa algo anacrónica na época, faz todo o sentido nos nossos dias.Concretizo: chegado a New München, o protagonista descobre uma cidade pouco menos que fantasma, com os seus habitantes mergulhados numa inércia preocupante. A razão, a falta de cerveja, devido a uma greve nas fábricas. Oportunidade para os autores oporem o capital ao Capital (de Marx), capitalistas contra trabalhadores, benefícios laborais contra exploração, numa situação que, criada antes da recente eleição de Trump, é também uma antevisão do que poderá ser a nova América, sem ponta de piada e a agravante de não haver um cowboy sempre disponível para compor a situação, utilizando as necessárias doses de pólvora, bom senso e pancadaria.
Com um bom ritmo, momentos de humor bem conseguidos, algumas soluções narrativas inesperadas e Achdé a brilhar graficamente, com um Lucky Luke plenamente assumido e personalizado e a planificação a multiplicar vinhetas de maior tamanho que proporcionam pausas de leitura bem-vindas ou planos de conjunto que permitem uma visão mais ampla, Um cowboy sob pressão [um título também ele feliz] é uma leitura bem-disposta e reconfortante que, sem se desviar do espírito que Morris e Goscinny lhe imprimiram, contém as dosas certas de nostalgia e modernidade que lhe podem ser exigidas, apresentando como cereja no topo do bolo, um (duplo e) belo piscar de olhos à cena mais de emblemática de Lucky Luke: a cavalgada final em direcção ao pôr-do-sol.
Um
cowboy sob pressão
Jul
(argumento)
Achdé
(desenho)
ASA
Portugal,
19 de Novembro de 2024
228
x 298 mm, 48 p., cor, capa dura
12,90
€
(imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Sem comentários:
Enviar um comentário