Um inferno batido por vagas alterosas
"No fim deste baixio gelado, um fuste de vinte e nove metros emerge das vagas. Ar-Men. O nome bretão do rochedo onde foi erigido. É o farol mais exposto e de mais difícil acesso da Bretanha. Ou seja, do mundo. Chamam-lhe 'O Inferno dos Infernos'."
In Ar-Men
Fica na Finisterra, sobre um pedaço de rocha com 12 metros de largura por 19 metros de comprimento, pelo menos quando o mar está calmo e lhe permite estar a descoberto.
Emmanuel Lepage, que se notabilizou em reportagens desenhadas e em retratos de locais como este, isolados e inóspitos, em que os humores da natureza desafiam o ser humano, em Ar-Men - O Inferno dos infernos, recém-editado pela Ala dos Livros, traça um retrato de um lugar simultaneamente mágico e terrível, onde se congregam lendas e histórias. E História.
Lendas com fundo de verdade e os fantasmas pessoais dos protagonistas, histórias com pontos acrescentados de ficção e a História da sua lenta e difícil construção, ao longo de mais de uma dúzia de anos, ao ritmo exasperantemente lento de poucos minutos por dia, nos dias em que tal era possível, em constante desafio às ondas que regularmente varriam aquela área. Combinadas, fundidas, criam um imaginário a um tempo realista e fantástico, que alimenta sonhos, vidas ou simples rotinas diárias, difíceis porque solitárias; as rotinas dos que tinham por missão manter aceso diariamente o farol de Ar-Men, para servir de guia e salvação para quem navegava por aquelas águas perigosas.
E a História daqueles que desejavam construir um farol, mesmo à custa de algumas vidas humanas para vir a salvar mais, em contraponto com a angustiosa necessidade dos habitante locais, conscientes de que precisavam dessas mesmas perdas, para sobreviver num clima e num local em que a natureza impera, tornando-o por demais perigoso e quase inabitável.
Assente num desenho realista, simultaneamente sóbrio e exaltante, e num fabuloso trabalho de cor que se supera na representação das tempestades e no encarniçamento do mar contra as fracas construções humanas, Lepage arrasta-nos do sofá em que confortavelmente lemos, para a altaneira galeria do farol, batida pelo vento ululante e acossada pelas vagas incansáveis que se despenham sobre ela uma e outra vez, com uma raiva incontrolável, como que dizendo que aquilo lhes pertence, que os homens estão a mais naquele local, onde se misturam sem se tocarem, embora se abracem loucamente, crenças, fés e ecos de passados, onde os corpos, as mentes, os seres buscam liberdade, realização, felicidade e consolo.
Ar-Men
- O Inferno dos infernos
Emmanuel
Lepage
Ala
dos Livros
Portugal,
Abril de 2025
250
x 340 mm, 96
p., cor,
capa dura
27,50
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 12 de Abril de 2025; imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Confesso que esperava talvez um pouco mais deste álbum. No entanto, é um admirável trabalho de Lepage e como escreve o Pedro "..Lepage arrasta-nos do sofá em que confortavelmente lemos, para a altaneira galeria do farol, batida pelo vento ululante e acossada pelas vagas incansáveis..." Se fecharmos os olhos quase que conseguimos ouvir o mar...
ResponderEliminarTambém já li obras do Lepage melhores, mas gostei bastante deste.
EliminarBoas leituras!