Um, dois, três...
Leitor ocasional de comics - e cada vez mais afastado deles e (também) por isso desconhecedor de cronologias quase impossíveis de acompanhar pelas sucessivas mortes e ressurreições e reviravoltas incluídas no seu historial, por autores mais ou menos inspirados e por editoras sedentas de acontecimentos marcantes que disparem vendas - sinto (quase) a falta de uma bagagem que me permita uma leitura mais abrangente e completa dos (poucos) relatos que (ainda) me vão passando à frente dos olhos.
Por isso, sei-o bem, a leitura deste Batman - Três Jokers, que marca o regresso da DC Comics às livrarias nacionais - o que saúdo porque a diversidade de oferta é fundamental - está inevitavelmente condicionada. [E por isso teria sido útil para mim - e para outros leitores - que o resumo cronológico escrito por José C. Branco surgisse no início e não no final da edição, embora entenda esta sua colocação devido aos eventuais spoilers que contém - tal como este texto, por isso cuidado com o avançar da sua leitura. Mas vinco a utilidade deste tipo de texto, que só beneficia a edição e o leitor.]
Mas, os meus desconhecimentos até poderão ter sido uma vantagem, por permitiram uma aproximação e uma fruição mais isenta e uma análise centrada mais na obra em si e menos dependente dos fatores externos (quase) aleatórios referidos.
Com A piada mortal, de Alan Moore e Brian Bolland, como ponto de partida e referência, até gráfica, Três Jokers explora a premissa sempre poderosa de que os super-heróis são quase todos tão violentos e recalcados quanto os vilões que perseguem. Com essa violência explícita e psicológica que há algumas décadas revolucionou os comics de super-heróis mas que entretanto se tornou de alguma forma usual, o relato traz como principal originalidade a existência de três vilões a usarem em simultâneo - e em conluio - a identidade do Joker, com diferenças entre si e no seu modus operandi, embora o principal objetivo deste ataque tri-partido seja derrotar o Batman, com algumas nuances que só a leitura poderá revelar.
Ao lado do Batman, surgem Barbara Gordon/Batgirl e Jason Todd, ex-Robin II e actualmente Capuz Vermelho. Ou seja, Batman tem como aliados duas ex-vítimas do Joker, Barbara - cujo passado tem como momento central os acontecimentos de A piada mortal em que ficou paraplégica e presa numa cadeira de rodas (embora acontecimentos futuros a tenham devolvido a uma vida e actividade normais...) - e Jason - que até morreu (!) em A Death in the Familly. Ou seja, ainda, dois momentos em que Batman (lhes) falhou - no caso de Jason continuou a falhar sucessivamente... Ou seja, mais uma vez, a última, duas formas diferentes de lidar com passados altamente traumatizantes - ou, mais especificamente, três formas de lidar com passados altamente traumatizantes, porque o de Bruce Wayne não lhes fica atrás - que inevitavelmente se vão reflectir no momento presente e, especialmente, na forma como os três enfrentam e lidam com o(s três) Joker(s).
Se ambas são legítimas ou não, se a hesitação do Batman faz sentido, perdido algures entre ambas, com os fantasmas do passado a ressurgirem, são respostas que a leitura de alguma forma dará, embora condicionadas pelo posicionamento pessoal de cada leitor.
Graficamente, quase me apetece dizer - provocando - que um autor europeu não faria melhor, já que Jason Fabok, muito bem secundado pelas cores de Brad Anderson, proporciona um desenho realista de elevada qualidade, muito expressivo e cuja opção por uma planificação quase sempre de 9 vinhetas por página beneficia em termos de representação de micro-movimentos, se assim posso escrever.
Mas a que paradoxalmente faltam vinhetas de formato mais generoso, que permitiriam dar uma outra dimensão aos confrontos ou a momentos pontuais em que a espectacularidade merecia outro realce, como por exemplo a cena do tubarão ou a (in)esperada reacção de Jason Todd no final do enfrentamento com o primeiro Joker. Neste caso, a colagem assumida ao modelo de A piada mortal acaba por se revelar um problema e não uma vantagem. Pedia-se mais liberdade.
A terminar, porque acho importante dizê-lo, mesmo com as minhas limitações de conhecimento geral da cronologia do Homem-Morcego - e tendo lido apenas A piada mortal mas não A Death in Familly (embora conheça o seu resumo) - a obra é perfeitamente legível e permite uma leitura compensadora, desde que feita num momento mental adequado, pois trata-se de um relato pesado e até por vezes incómodo, dada alguma da violência explícita mostrada.
Curiosamente, pelo agora mesmo escrito, a questão central que se repete ao longo do livro - quem é cada um dos três Jokers? - acaba por se revelar secundária face à necessidade de os parar.
Batman: Três Jokers
Geoff Johns (argumento)
Jason Fabok (desenho)
Brad Anderson (cor)
Devir
Portugal, Março de 2025
185 x 282 mm, 164 p., cor, capa dura
20,00€
(imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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