15/04/2025

Hoka Hey!

Em frente, para o abismo


"Os brancos não se compreendem uns aos outros, como é que queres que nos compreendam a nós? "
In Hoka Hey!

Na renovação do western que a banda desenhada tem sabido fazer em tempos recentes - de que Undertaker ou Bouncer são exemplos, sem de forma alguma pôr em causa séries intemporais como Comanche, Blueberry, Buddy Longway, Jerry Spring ou, num outro contexto, Tex - surge também este Hoka Hey ("em frente", em linguagem lakota) que a ASA acaba de colocar no mercado nacional.
A forma como o leitor o abordar, proporcionará leituras diferentes e uma maior ou menor fruição de uma obra notável.

A leitura mais simples, é ver nele apenas um western e os eternos confrontos entre homens com cores de pele diferentes, com muitos confrontos e tiros; mas fazê-lo será imensamente redutor.

É verdade que este é um relato sobre a eterna incompreensão entre brancos e pele-vermelhas, aqueles interessados apenas em explorar as riquezas dos territórios e estes desejosos de continuar a viver segundo os seus princípios e as suas crianças, sendo curioso o paralelo que a certa altura traça a criança que co-protagoniza Hoka Hey!, entre as crenças indígenas e os ensinamentos bíblicos que foi obrigada a aprender.

Este romance gráfico, longo de mais de duas centenas de páginas, que apresenta um ritmo assumidamente lento para que cada momento, cada diálogo possa ser assimilado e digerido pelo leitor, é também um relato sobre um dos temas mais antigos que as histórias abordam desde tempos imemoriais: a vingança. No caso um filho que quer vingar a morte da mãe, uma índia desprezada pelo branco que a amou e abusada por outro que, pela sua posição religiosa devia actuar de forma diferente. Acompanhado por uma índia e um irlandês, um trio com afinidades para lá do expectável, na sua senda encontrarão uma criança índia que até então tinha vivido como escrava de um pregador branco.

Mas, Hoka Hey! é também uma história sobre o lento declínio de um povo empurrado para o abismo da autodestruição pelos brancos que se julgavam superiores e com direitos morais sobre tudo aquilo que os seus olhos viam. Podia haver nele, aqui ou ali, focos de resistência, mas é claro e hoje sabemo-lo bem, que o modo de vida dos pelos vermelhas era algo impossível de se manter.

Finalmente, esta narrativa assinada por Neyef, é igualmente a história de iniciação de uma criança índia, nos valores e crenças que o seu povo sempre defendeu, uma história de regresso às origens de grande imprevisibilidade, sobre a chamada do sangue, a inevitabilidade do destino e a imutabilidade do ódio desenvolvido ao longo de gerações.

Uma referência final para as belíssimas pranchas de Hoka Hey!, que o formato generoso da edição da ASA salienta, em que os tons cromáticos, aplicados de forma superior e notável, vão assumindo diversos matizes caracterizam o tempo e os espaços e, de certa forma, os estados de espírito dos protagonistas.


Hoka Hey!
Neyef
ASA
Portugal, Março de 2025
240 x 319 mm, 224 p., cor, capa dura
30,90 €

(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 30 de Março de 2025e; imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

4 comentários:

  1. Caro Pedro, vamos ter o Neyef (Romain Maufront) na feira do Livro de Lisboa nos dias 6 e 7 de Junho 2025. :-) um abraço. LMS

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    1. Excelente notícia em primeira mão!
      E uma boa iniciativa da ASA.
      Boas leituras!

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  2. Este livro é sublime. Dos melhores livros de BD que li nos últimos anos.

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    Respostas
    1. Sim, desde já uma das grandes edições deste ano.
      Boas leituras!

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