Em frente, para o abismo
"Os
brancos não se compreendem uns aos outros, como é que queres que
nos compreendam a nós? "In
Hoka Hey!
Na
renovação do western
que
a banda desenhada tem sabido fazer em tempos recentes - de que
Undertaker ou Bouncer
são exemplos, sem de forma alguma pôr em causa séries intemporais
como Comanche,
Blueberry, Buddy Longway, Jerry Spring
ou, num outro contexto, Tex
- surge
também este Hoka
Hey
("em frente", em linguagem lakota)
que a ASA acaba de colocar no mercado nacional.
A
forma como o leitor o abordar, proporcionará leituras diferentes e
uma maior ou menor fruição de uma obra notável.
A leitura mais simples, é ver nele apenas um western e os eternos confrontos entre homens com cores de pele diferentes, com muitos confrontos e tiros; mas fazê-lo será imensamente redutor.
É verdade que este é um relato sobre a eterna incompreensão entre brancos e pele-vermelhas, aqueles interessados apenas em explorar as riquezas dos territórios e estes desejosos de continuar a viver segundo os seus princípios e as suas crianças, sendo curioso o paralelo que a certa altura traça a criança que co-protagoniza Hoka Hey!, entre as crenças indígenas e os ensinamentos bíblicos que foi obrigada a aprender.
Este romance gráfico, longo de mais de duas centenas de páginas, que apresenta um ritmo assumidamente lento para que cada momento, cada diálogo possa ser assimilado e digerido pelo leitor, é também um relato sobre um dos temas mais antigos que as histórias abordam desde tempos imemoriais: a vingança. No caso um filho que quer vingar a morte da mãe, uma índia desprezada pelo branco que a amou e abusada por outro que, pela sua posição religiosa devia actuar de forma diferente. Acompanhado por uma índia e um irlandês, um trio com afinidades para lá do expectável, na sua senda encontrarão uma criança índia que até então tinha vivido como escrava de um pregador branco.
Mas, Hoka Hey! é também uma história sobre o lento declínio de um povo empurrado para o abismo da autodestruição pelos brancos que se julgavam superiores e com direitos morais sobre tudo aquilo que os seus olhos viam. Podia haver nele, aqui ou ali, focos de resistência, mas é claro e hoje sabemo-lo bem, que o modo de vida dos pelos vermelhas era algo impossível de se manter.
Finalmente, esta narrativa assinada por Neyef, é igualmente a história de iniciação de uma criança índia, nos valores e crenças que o seu povo sempre defendeu, uma história de regresso às origens de grande imprevisibilidade, sobre a chamada do sangue, a inevitabilidade do destino e a imutabilidade do ódio desenvolvido ao longo de gerações.
Uma referência final para as belíssimas pranchas de Hoka Hey!, que o formato generoso da edição da ASA salienta, em que os tons cromáticos, aplicados de forma superior e notável, vão assumindo diversos matizes caracterizam o tempo e os espaços e, de certa forma, os estados de espírito dos protagonistas.
Hoka
Hey!
Neyef
ASA
Portugal,
Março de 2025
240
x 319 mm, 224
p., cor,
capa dura
30,90
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 30 de Março de 2025e; imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Caro Pedro, vamos ter o Neyef (Romain Maufront) na feira do Livro de Lisboa nos dias 6 e 7 de Junho 2025. :-) um abraço. LMS
ResponderEliminarExcelente notícia em primeira mão!
EliminarE uma boa iniciativa da ASA.
Boas leituras!
Este livro é sublime. Dos melhores livros de BD que li nos últimos anos.
ResponderEliminarSim, desde já uma das grandes edições deste ano.
EliminarBoas leituras!