A Viúva Negra/Coração Dividido
Jodorowsky (argumento)
Boucq (desenho)
ASA (Portugal, Julho de 2012)
240 x 320 mm, 118 p., cor, cartonado
23,20 €
1.
Sexo, religião, misticismo, violência, relacionamentos
ambíguos, superação, são algumas características sempre presentes nas obras
assinadas pelo chileno Alejandro Jodorowsky. Tenham elas fundo histórico ou sejam
ficção pura, mergulhem no passado, decorram num presente mais ou menos próximo
ou antecipem futuros tão maravilhosos quanto utópicos…
2.
E embora isso possa dar a sensação que o
argumentista reconta sempre a mesma história – e é evidente que o faz muitas
vezes - conforme a dose de cada um daqueles elementos, o cenário temático escolhido
e a inspiração do momento, proporciona aos leitores obras (que pouco mais são
do que) medianas ou títulos marcantes e incontornáveis.
3.
Bouncer, deve classificar-se nestas últimas,
pois é um western exemplar sob vários aspectos: duro, violento, amoral,
profundamente realista apesar do traço semi-caricatural que lhe confere a
imagem, sem verdadeiros heróis, com repugnantes facínoras…
4.
E porque conjuga tudo isto com os temas
habituais do género – pistoleiros, perseguições, tiroteios, militares
corruptos, indígenas oprimidos, cidades sem lei, bares, cadeias, extensas
pradarias, montanhas desoladoras e agrestes… - e o toque de originalidade que
Jodorowsky lhe conferiu.
5.
A surpreendente associação com Boucq, então conotado
com banda desenhada humorística e caricatural, se inicialmente surpreendeu, de
tomo para tomo revela-se cada vez mais acertada, com o desenhador a afastar-se
suficientemente do tom caricatural sem perder o seu registo próprio e a
demonstrar o seu talento num retrato realista e credível dos locais onde a
acção tem lugar, sejam eles largos espaços selvagens (pradarias e montanhas que
imperam neste relato) ou confinados interiores de bares, prostíbulos, grutas ou
tendas índias.
6.
Neste tomo duplo, auto-conclusivo - embora possa
ajudar (a compreender) conhecer o passado do protagonista - Bouncer vê-se a
braços (passe a expressão, porque aplicada a um maneta…) com um assassino louco
(devido ao gume de machado que tem enterrado na cabeça) e a sua prole sanguinária,
um destacamento militar composto por mercenários apostados em exterminar os
índios da região, uma viúva rica que não olha a meios para possuir todos os
terrenos em torno de Barrio City e a nova professora, acabada de chegar à
cidade. Com a agravante de desejar as duas últimas e de todos eles se cruzarem
a diversos níveis e em situações díspares.
7.
Se é verdade que no final tudo, de alguma forma,
se resolve e Bouncer vê todos os seus problemas resolvidos, o caminho para lá
chegar não será isento de perigos, confrontos e de um longo rasto de mortos,
paredes meias com muitas surpresas, a principal das quais (que por razões
óbvias não vou referir) contribui para conferir a este relato o tal toque de
originalidade que o distingue de outros westerns similares mas banais.
8.
A terminar.
9.
A edição deste álbum duplo – como aconteceu
recentemente com tomos de Murena e de O Gato do Rabino – parece querer mostrar
que é possível editar álbuns “integrais” em Portugal.
10. Se
a iniciativa é louvável, pela qualidade da obra em si e da edição, por compilar
uma história completa e por permitir fechar uma colecção até agora em curso, e
se pouco há a apontar-lhe – a ausência da capa de um dos tomos é um desses
aspectos (menores) – fica a dúvida se o preço final justifica a opção. Porque,
apesar de inferior ao de dois tomos separados, continua a ser elevado para o
nosso nível de vida, mais a mais no período de crise que se atravessa.
11.
Não me parecendo que esta seja uma forma de
teste ao nosso reduzido mercado, terá a editora razões que eu desconheço?
Espero que sim e que esta venha a ser uma aposta ganha.