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27/10/2010

Baron Samedi - L'enfant de la mort

Dog Baker (argumento e desenho)
(Treize étrange) (França, Outubro de 2010)
170 x 250 mm, 144 p., cor, cartonado


Resumo
Tudo começa num pequena aldeia, algures na América do Sul, num dia ensolarado, quando um casamento, cujas festividades decorrem ao som do tango, é interrompido pela chegada de mercenários ao serviço do governo francês. O seu objectivo é expulsar os moradores para explorarem uma mina de urânio no local. A recusa de saída provoca um massacre com um único sobrevivente, um rapazinho de 5 ou 6 anos.

Desenvolvimento
Descobrimo-lo – ainda ao som do tango, que sempre o acompanhará, mas já sob uma chuva que nada apaga, seja o sangue que correu a rodos, seja a dor que o assola, sejam as memórias da violência breve mas extrema que testemunhou – na vala comum para onde as vítimas da chacina foram lançadas, sentindo na face, na boca, o sangue que escorre da cabeça decapitada do pai.
E esta cena, que as páginas totalmente negras iniciais, sem imagens só com texto – e música – antecipam sem a deixar adivinhar, marca desde logo o tom negro e ultra-violento de um relato que lhe soma ainda um erotismo pudico (impensável numa obra europeia), que faz estranho contraste com a facilidade com que são mostrados os resultados (tortura, esventramentos…) da selvajaria extrema do protagonista.
A ele – o tal rapazinho do início – reencontramo-lo 15 anos mais tarde, em França, aparentemente livre dos seus fantasmas, iniciando uma carreira circense, apoiado por um ex-pugilista que se revela uma espécie de pai para ele.
Só que o acaso leva-o a descobrir o ex-líder dos mercenários entre os espectadores de uma sessão, despertando nele uma irresistível vontade de vingança. Que consuma após um confronto em que o seu ‘pai adoptivo’ morre e acaba com o rosto destruído por cal viva. E após o qual acabará por encontrar (e salvar) aquela que será a grande paixão da sua vida (e também futura companheira e cúmplice), Maman Brigitte – até aí vítima repetida de violações por parte do pai, que o protagonista também mata.
Nesse duplo confronto, a par do amor e da cumplicidade da bela mulher, o futuro Baron Samedi descobre também o gosto do sangue, o prazer de torturar e matar, encetando uma enorme vingança contra a França dos anos 1960 e tudo o que ela representa, traduzida em roubos e assassinatos, cada vez mais sádicos, violentos e inenarráveis, ao mesmo tempo que se afirma na sociedade sob uma (dupla) máscara: a primeira, para esconder a cara horrivelmente deformada; a segunda, como rico benemérito, responsável (entre outras coisas) por um orfanato para onde são encaminhadas os órfãos que os seus crimes originaram. E cujo ódio alimenta e direcciona para os utilizar mais tarde como piões na sua luta.
Luta na qual terá que enfrentar um adversário de peso, um inspector conhecido como o Porco, pela sua sensibilidade olfactiva, que em breve fará também parte da enorme lista daqueles que têm motivo para o odiar.
Iniciando-se com um tom ultra-realista, o relato progressivamente afasta-se dele, quer pelo evidente carácter ficcional dos feitos do Baron, quer pela aproximação que faz ao género de super-heróis, na utilização de alguns ‘tiques’ facilmente detectáveis, surgindo o protagonista como uma espécie de super-vilão maligno que, apesar dos extremos que comete, torna-se quase simpático aos olhos do leitor, numa estranha inversão de valores…
Utilizando plenamente a cor apenas na dupla sequência inicial do casamento/massacre, no resto do relato – no qual não há tempos mortos nem pausas para recuperar o fôlego - predominam os cinzentos e os negros, apenas aqui e ali tintados de amarelo - os ossos do fato do Baron Samedi ou os balões de texto do seu pensamento - e de vermelho, muito vermelho, vermelho a rodos - quando o sangue jorra e a (sua) violência explode.
O traço de Dog Baker, geralmente muito dinâmico, consegue combinar um estilo realista, próximo da linha clara, com o clima de puro horror e terror que perpassa toda a narrativa, com algumas cenas excelentes de tão incómodas, como a dupla página (14-15) na vala comum ou alguns dos momentos no cemitério, no confronto com o ex-mercenário.
Acha que fica explícito atrás, mas este foi um livro que me prendeu, apesar de o terror estar longe de ser o meu género por excelência. Fico por isso a aguardar a sequela, adivinhada pelo aparecimento de uma enigmática personagem feminina nas últimas pranchas e pelos desenhos premonitórios feitos pela filha deficiente que Maman Brigitte esconde.

A reter
- O início da narrativa logo no verso da capa, ou seja nas páginas de guarda, o que produz um efeito interessante.
- Algumas cenas, plenamente conseguidas.

Menos conseguido
- O progressivo afastamento do registo realista aproximando este conto negro da narrativa de super-heróis.
- Alguns desequilíbrios gráficos, no tratamento da figura humana e na falta de movimento de algumas cenas, em contraste absoluto com outras plenamente conseguidas.

Curiosidade
- O autor, o norte-americano Douglas Baker, “com um mau começo de vida”, passou algum tempo na prisão onde começou a desenvolver a sua arte, feita de erotismo e violência, traduzida em tatuagens que fazia aos outros detidos. Aproveitando um programa de reinserção, entrou na faculdade e começou a trabalhar em BD. A raiva e a violência patentes – latentes – nesta história serão reflexo dos sentimentos do autor?
- A versão original de Baker foi adaptada por Didier Convard, Eric Adam e colorida por Pixel, para reforçar a sua consistência narrativa.
- A personagem central deste livro, bem como a sua companheira, Maman Brigitte, foram livremente inspiradas em figuras do Vodou haitiano.
- Diversa informação sobre o livro (esboços, croquis, modelos, desenvolvimento das personagens, críticas, notícias…) pode ser encontrada no Facebook.
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