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26/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Machado-Dias*

- Qual o objectivo do BDjornal?
Machado-Dias - Os principais objectivos do BDjornal foram enunciados logo no editorial do #1 em Abril de 2005: 
a) Chegar às Bibliotecas Municipais através de assinaturas a preços reduzidos, para fazer circular a informação sobre Banda Desenhada por um público mais vasto; 
b) Conseguir a colaboração dos editores de Banda Desenhada, com informação sobre as suas novidades e colocação de publicidade; 
c) Conseguir a adesão dos Festivais e Salões de BD deste país, através de informação a publicar e de publicidade paga dos mesmos e 
d) Conseguir a congregação em torno do projecto, dos homens e mulheres que neste país escrevem sobre Banda Desenhada. Destes quatro grandes objectivos, apenas o último se veio a verificar, mesmo depois de chegarmos à conclusão de que não era possível continuar a pagar aos colaboradores. Do primeiro objectivo ainda se conseguiram assinaturas de trinta e duas Bibliotecas (em cerca de duzentas e tal existentes). 
Dos editores, apenas a Devir contribuiu com alguma publicidade no primeiro ano do BDjornal. Nenhum outro editor (especialmente a Asa) fez alguma vez publicidade no BDjornal. Quanto aos Festivais e Salões, apenas o de Beja manteve sempre um contacto informativo assíduo, porque no que toca a publicidade não se conseguiu qualquer colaboração, dando como resposta às nossas solicitações nesse sentido, a condicionante dos escassos meios de produção – mesmo o Festival de BD da Amadora, que teve sempre publicidade paga em vários meios de comunicação, nunca colocou qualquer anúncio no BDjornal, esquivando-se com o mesmo tipo de resposta. Quanto aos objectivos de conteúdo, foram, desde o início, incluir doses equilibradas de textos de divulgação, de investigação, de crítica, de reportagem, de entrevistas, e com o leque mais abrangente possível de notícias sobre tudo o que se relacionasse com Banda Desenhada (em Portugal e no estrangeiro). 
É claro que a pesquisa de notícias foi a parte que exigiu o maior esforço, sendo notável o trabalho, sobretudo de Clara Botelho – há que dizê-lo – durante três anos e tal, todos os dias, à cata de notícias sobre BD, a procurar confirmações em duas ou três fontes, a traduzi-las e a vertê-las para um português compreensível. Ao perceber que tanto esforço deixava de fazer sentido, dada a profusão de sites e blogues que na internet publicam cada vez mais notícias em catadupa sobre o tema, resolvi reduzir a dose de notícias, a partir do BDj #23 e depois acabar definitivamente com elas a partir do #25. No que diz respeito à publicação de trabalhos em Banda Desenhada, essa nunca foi uma prioridade – não era esse o objectivo do BDjornal – mesmo assim, optei por incluir algumas peças, mais para aligeirar as leituras, do que outra coisa. 
E algumas das bandas desenhadas publicadas no BDjornal, chegaram mesmo ao álbum, apesar de não terem terminado a pré-publicação. Caso de “Sexo, Mentiras e Fotocópias”, de Álvaro, pela Pedranocharco; “Morgana – O Castelo nas Núvens”, de José Abrantes, pela Gailivro e “BRK”, de Filipe Pina e Filipe Andrade, pela Asa. Mas não era uma prioridade porque continuo convencido de que não é viável uma revista de BD em Portugal. A partir da experiência algo frustrante da segunda série das Selecções BD, é notório que uma revista de BD não é viável neste país, simplesmente porque não há público que a sustente. Uma publicação com os conteúdos que apontei atrás, parece-me mais sustentável, embora a paulatina redução da tiragem, me comece a colocar algumas dúvidas. De qualquer modo vou continuar a tentar fazer, pelo menos, duas edições anuais… até ver. Já agora e como curiosidade, vamos ver como se conseguirá aguentar o projecto Zona (quanto a mim, de grande qualidade e com bom potencial de vendas… noutro país qualquer), ou se, como penso, não conseguirá sair da fase fanzinesca de tiragem, aliás como o próprio BDjornal nesta altura. 

- Até onde consegue chegar/que visibilidade tem? 
Machado-Dias - Ao fim de cinco anos, o BDjornal é, apesar da actual reduzida tiragem, conhecido por toda a “tribo” da BD em Portugal e não só. Este não só, refere-se a alguns livreiros com quem contacto por vezes e que, insuspeitadamente e para meu espanto, sabem exactamente do que estou a falar quando falo no BDjornal. E também ao facto de cada vez mais gente no Brasil adquirir o BDj via internet – e já agora, o BDjornal vai estar à venda numa loja do Rio de Janeiro, que adquiriu determinado número de exemplares, pagos antecipadamente (refira-se que em Portugal, apenas a Vilelivros e a Central Comics, durante algum tempo, fizeram compras do BDjornal, pagas antecipadamente). Ou de algumas lojas especializadas da Galiza que, de vez em quando me escrevem emails a perguntar quando sai o próximo BDjornal e para as quais o tenho enviado – só que, o problema das contas com o outro lado da fronteira, acaba por se tornar complicado, inviabilizando uma colaboração permanente. Portanto, com a internet, as coisas chegam longe, muito longe até. Mas o que interessa, de facto, são as vendas, e essas não são, nem de perto nem de longe, o que faziam antever as expectativas. O que me parece é que a persistência pode dar frutos, como o demonstra o caso do Brasil, que é, a meu ver, o grande mercado a explorar, embora não saiba ainda muito bem como.

- Nos moldes actuais, que futuro antevês para a BD nacional?
Machado-Dias - Devo recordar que estes moldes (os actuais), especialmente na questão editorial, têm sido mais ou menos cíclicos. Mas os problemas são mais amplos. Reportando-me a 1993 (ano em que comecei nas lides da edição, nessa altura ainda com fanzines), a Meribérica dominava o mercado e assim continuou até 2002 – ano da morte do seu fundador e proprietário, Telmo Protásio – aguentando-se em estertor por mais um ano. Foram cerca de dez anos, com uma crise editorial forte em 1994/96 de onde nasceram a Polvo, a BaleiAzul, a Pedranocharco, etc… Destas, a BaleiAzul e a Pedranocharco ficariam pelo caminho e a Polvo passaria por um mau bocado. Seguiu-se um crescimento nas edições de BD, em que apareceram mais editoras: Witloof, Círculo de Abuso, Nova Comix (tudo em 2000) e a Booktree, em 2002, com pessoal saído da Meribérica, já em crise profunda. Todas estas editoras desapareceram na voragem da crise editorial de 2005/2006. Com o colapso da Meribérica, a Asa voltou à Banda Desenhada, depois de uma hibernação de quase dez anos no sector e aproveitando o desemprego e o respectivo know haw da ex-responsável editorial daquela editora. Caso um pouco à parte, a brasileira Devir aparece em Portugal em 1996 e constrói um bem recheado catálogo virado para os comics, mas não consegue sobreviver à crise de 2005/2006… até ver. Falta aqui a VitaminaBD, que Pedro Silva (depois de arrumada a casa BDmania) resolve criar em 1999 e que, quanto a mim, é a editora que melhor tem trabalhado, de forma criteriosa na escolha de títulos e com edições pontuais e sustentadas do ponto de vista económico e financeiro. A seguir à crise de 2005/2006 aparecem novas pequenas editoras, a Polvo volta à edição, depois de uma rocambolesca venda de existências em armazém, agora como chancela pessoal de Pedro Brito, tal como a Pedranocharco, agora também como minha chancela pessoal. Surge a Mangaline (editora dedicada à mangá, que apenas editou 2 ou 3 títulos), a MMMNNNRRRG, a ElPep, a Livros de Papel (que depois da zanga José Vilela/Manuel Caldas, deu origem à Bonecos Rebeldes, de José Vilela, e à Libri Impressi, de Manuel Caldas), a Kingpin Comics (agora Kingpin Books), a Plana Press, a QualAlbatroz, etc… Portanto, tudo isto para mostrar que ao desencadear das cíclicas crises económico-financeiras neste país, pelo menos desde 1993, correspondem o encerramento de editoras e, no pico das crises, à criação de novas pequenas editoras. Sendo que em 2005, após o desenvolvimento da impressão digital tornar possíveis pequenas tiragens, fez com que o aparecimento de novos editores, fosse muito superior a 1995. Mas há aqui um factor a reter: a falta de realismo, que levou ao encerramento de algumas editoras, por inundarem o cada vez mais escasso (?) mercado português, com catadupas de títulos, destinados em grande parte ao armazém ou à guilhotina. Refiro-me a casos como a Witloof, e a Devir, por exemplo, que não souberam gerir as doses de títulos editados e acabaram por implodir. De todo este movimento de aparecimento e desaparecimento de editores, resta dizer que ninguém sabe nada do que fizeram, para além do óbvio – os títulos editados. De resto, não são públicos nem os números de tiragens nem os de vendas. Isto, à boa maneira portuguesa, de que “o segredo é a alma do negócio”, contrariamente, por exemplo, ao que acontece em França, onde a ACBD (Associação de Críticos de Banda Desenhada) tem, logo no início de Janeiro de cada ano, um relatório impressionantemente pormenorizado com a quantificação de todos esses dados. É a diferença entre um semi-artesanato e uma verdadeira indústria. Por outro lado também não existem dados de quantificação sobre o público leitor de BD em Portugal. O último relatório da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), referente a 2005 (sic), aponta que 31,8 % dos leitores portugueses inquiridos (cerca de 2.000) têm em casa livros de Banda Desenhada – que podem ser 1, 5, ou 500… o que torna o relatório irrelevante e ridículo. Quanto aos números de visitantes dos festivais de BD (actualmente só Beja e Amadora), o da Amadora fornece sempre com pompa e circunstância a quantidade de visitantes – sejam eles consumidores de BD ou não –, mas não tem qualquer informação quanto a números de livros vendidos, nem parece sequer interessar-se por essa questão. Mas o de Beja costuma fornecer esses dados – o que ainda não aconteceu este ano –, uma vez que, como optou por um mercado colectivo do Livro, gerido por um único operador, consegue sempre saber quantos livros se venderam. Mas como não se sabe o que se passa na Amadora nesse aspecto e porque é o que tem mais afluência de visitantes, não podemos tirar qualquer conclusão pela via dos Festivais. Navega-se portanto às cegas. Falta referir ainda um outro factor importantíssimo: os livreiros. Sabendo-se que muitas livrarias não aceitam determinado tipo de publicações, ou exigem – como desconto – uma fatia salomónica dos preços de capa (os grandes grupos, actualmente, não aceitam nada que seja inferior a 45%), restam as pequenas livrarias e as especializadas. E estas, além de não serem mais de meia dúzia, estão, a maioria delas a atravessar graves dificuldades. Para ilustrar isto, por exemplo, as livrarias Bulhosa, devolveram o BDjornal #25, com a nota de que “não foi pedido”, e quando os contactei, foram taxativos: além de não ter sido pedido, não aceitam um desconto de menos de 45%. Ora as Bulhosa sempre venderam o BDjornal (e todos os livros Pedranocharco) desde 2006, com descontos de 25% e 30%. Este ano, parece que se uniformizaram, pelas mesmas condições da FNAC e Bertrand. Se a estas percentagens se somarem os habituais 20% cobrados por um distribuidor, os descontos vão para a ordem dos 65%. O que quer dizer que, ou os preços dos livros têm que ser substancialmente aumentados para absorverem aqueles descontos, ou não são colocados nas grandes livrarias, passando a ter muito menos visibilidade e por via disso, muito menos vendas. Só resta pois a venda via internet que, como sabemos, não funciona (ainda?) em Portugal como em outros países. São estes os “moldes actuais” do trinómio editores-livreiros-consumidores, que mexem com a circulação da BD neste país. Antevejo portanto que o futuro da BD em Portugal vá continuar assim por muito tempo, um caminho aos solavancos, com poucos ganhos e muitas perdas, tudo porque não se conseguem quantificar as coisas, impedindo cada editor de ter uma planificação e uma acção em conformidade. Mas, se calhar, nada disto é importante… porque ninguém parece preocupar-se com o assunto e, se toda a gente diz mal destes “moldes actuais”, a verdade é que ninguém faz rigorosamente nada para os modificar. Não falo, propositadamente, do sector primário da banda desenhada: os autores. Porque me parece que não é aí que estão os problemas. Existem neste país autores de banda desenhada em número e qualidade suficientes para alimentar uma verdadeira indústria, desde que sejam publicados e… pagos. Os problemas só começam depois deles. Para terminar, deixo aqui uma ideia – já antiga, diga-se – que, se implementada, poderia vir a ser um princípio de solução para sabermos, pelo menos, “a quantas andamos”. Tratar-se-ia de constituir uma associação, talvez do tipo da ACBD francesa, mas com editores e livreiros especializados (e dos generalistas, os que o quiserem). Tem-se falado algumas vezes de uma associação de autores de Banda Desenhada, apesar de já existir a FECO, mas sinceramente não sei para que serviria. Estou a falar de coisas práticas: contabilizar títulos editados, respectivas tiragens e quantitativos de vendas, abarcando vendas em livrarias generalizadas e especializadas, grandes superfícies, Festivais, Salões e outros eventos e produzir anualmente (logo em Janeiro) um relatório de tudo isto, para ser publicado. Mas não algo como “o estado da BD”, que foi tentado pela Bedeteca de Lisboa em 1999 – com as conclusões algo atabalhoadas a serem publicadas em livro (“Hoje, a BD 1996 a 1999”) – e continuado daí para cá, com os, também atabalhoados “dossiers” anuais, publicados on-line e que não servem para nada.

* Editor da pedranocharco e director do BDjornal
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