08/01/2010

Noir Metal

Xavier Bétaucourt (argumento)
Jean-Luc Loyer (desenho)
Delcourt (França, Março de 2006)
205 x 265 p., 110 p., cor, brochado com badanas


O ponto de partida deste livro é o fecho, em Janeiro de 2003, da Metaleurop, uma grande fundição de não-ferrosos (essencialmente chumbo), no Pas-de-Calais, no Norte da França. Dois meses depois, está o conflito social no seu auge, com os operários a lutarem, impotentes, contra o facto consumado, os autores deslocam-se às instalações da fábrica para prepararem um documentário sobre o processo que levou ao encerramento. Um documentário aos quadradinhos.
E o documentário em papel funciona, com a apresentação do tema a decorrer de forma fluida, ao ritmo a que os autores/entrevistadores despoletam os diálogos que nos vão narrando como tudo se passou - como as coisas se passam tantas vezes, numa rede de silêncios, cumplicidades, subornos e corrupção - num tom cordial, mas que não apaga a imensa crueldade afecta a todo o processo. E chegam mesmo a "emprestar da TV" técnicas que já conhecemos, para manter o anonimato das fontes, como na bem conseguida sequência das páginas 62-64.
O seu prólogo - que vai traçando em paralelo como o "Dia D", aquele em que o fecho de MetalEurop foi decidido, foi vivido pelos diversos interessados - pode enganar pois tudo é narrado como se de simples fait-divers se tratasse, mas esta é afinal uma denúncia da forma como hoje em dia se fecham empresas - grandes empresas - ignorando os trabalhadores - "esmagados como se fossem formigas". Porque este não é um documentário isento - algum, alguma vez, é? - antes dá voz aos que normalmente não a têm e vão mostrando os diversos podres da administração: a forma desumana como os trabalhadores eram tratados; o roubo encenado de 1,5 milhões de euros em ouro - um subproduto do local - nas vésperas do encerramento; o abandono das práticas regulares de manutenção, para provocar o encerramento por falta de condições; a teia de subornos e corrupções estabelecida, que ia das autoridades, cúmplices surdas e mudas, conhecedoras de que a empresa reconhecidamente envenenava o ar, a terra e toda a região numa área de 45 km2 (!), mas ignorando-o pois ela garantia também a sobrevivência económica de toda aquela zona, ao veterinário e aos agricultores, para fecharem os olhos aos animais que morriam e aos legumes que não se desenvolviam, até aos operários, cuja saúde e dos seus era comprada à custa de "esmolas" como pinturas de automóveis, para manterem aquele que era o seu ganha-pão. Tudo isto perante uma realidade indesmentível: na região, a taxa de envenenamento por chumbo nas crianças rondava os 27 %. Mas, como diz uma testemunha-sombra, "era o envenenador que fazia viver a região!".
Sobram dois senãos: o simpático traço linha clara de Loyer - quão mais indicado era o utilizado na capa - que atenua o dramatismo do relato, despojando-o de parte importante da sua carga emotiva, e só ter sido publicado três anos após o fecho da Metaleurop, tempo demasiado para produção de um documentário com estas características, mesmo em BD. Numa altura em que 300 operários ainda não tinham arranjado emprego e 13 já se tinham suicidado...

(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #14 de Agosto/Setembro de 2008)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...