11/01/2010

Blake & Mortimer – A Maldição dos 30 denários T.1

Jean Van Hamme (argumento)
René Sterne e Chantal De Spiegeleer (desenho)
ASA (Portugal, Novembro de 2009)
240 x 320 mm, 56 p. cor, cartonado


Cada novo “regresso” de Blake e Mortimer – e com este já são seis, quase tantas quantas as oito aventuras que Jacobs criou – tem que obrigatoriamente passar pelo crivo da comparação com os originais. Que é medida apertada ou não fosse esta uma das séries de referência da banda desenhada realista de aventuras franco-belga e um dos grandes clássicos dos quadradinhos mundiais. Apesar de Edgar P. Jacobs, o seu (idolatrado) criador, até ter algumas limitações enquanto autor de BD, em especial no que diz respeito à dinâmica do seu traço e à interligação texto/desenho, que muitas vezes é repetitiva. Por isso, nalguns casos, histórias interessantes e bem contadas, são desvalorizadas pela comparação e outras diminuídas por não serem cem por cento fiéis ao modelo.
O mesmo se passou/vai passar com este álbum - editado em Portugal simultaneamente com a edição original francesa – que na sua origem até tem um pretexto bem interessante, alicerçado na tradição judaico-cristão: a pretensa descoberta dos 30 denários que terão sido pagos a Judas Iscariotes por ter traído Jesus Cristo. O acontecimento, leva o professor Mortimer até à Grécia, onde reencontrará o coronel Olrik, seu inimigo de sempre, na busca pelas preciosas moedas às quais parece associada uma maldição, à semelhança do que acontecia com a arca perdida de Indiana Jones… E que, patente no titulo do álbum, parece ter-se transmitido à sua génese: primeiro com Ted Bênoit, que desenhou “O caso Francis Blake” e “O Estranho Encontro” a declinar continuar associado às sucessivas ressurreições de Blake e Mortimer; depois com René Sterne, o seu sucessor, a demorar quase dois anos para desenhar as primeiras 29 pranchas devido ao seu extremo rigor e perfeccionismo; finalmente, com a sua morte súbita, em 2006, a provocar novo atraso.
Como resultado, se se nota um esforço de aproximação ao traço de Jacobs no que diz respeito às personagens principais, noutras, como o pastor das primeiras pranchas ou Eleni – mais uma mulher, secundária, na série… - têm indiscutivelmente a assinatura gráfica de Sterne. Mas é no tratamento dos fundos e cenários, mais sóbrios e menos pormenorizados, que o distanciamento em relação a Jacobs é maior, em especial na segunda metade do álbum, que foi concluído pela sua esposa, Chantal De Spiegeleer, que também denota algumas dificuldades no tratamento das cenas de acção.
Quanto à narrativa em si, Jean Van Hamme, com a mestria que se lhe reconhece, construiu-a de forma consistente e envolvente, com os diversos momentos a encadearem-se a bom ritmo, fazendo a ponte entre os diferentes locais da acção, que decorre num crescendo moderado, equilibrando cenas mais dinâmicas com outras mais paradas em que vai contextualizando o enredo. E em que, a par da colagem ao mítico “O Mistério da Grande Pirâmide”, apresenta aspectos originais como a exploração da lenda relacionada com a falha do suicídio de Judas, o envolvimento de uma organização nazi e a dialéctica razão/fé implícita na trama. Resta esperar pela conclusão no segundo tomo, que está a ser desenhada pelo desconhecido Aubin Frechon, para avaliar se Van Hamme consegue conciliar todos estes aspectos de forma satisfatória.

Curiosidade
- A edição portuguesa encontra-se disponível em duas capas diferentes; a mostrada no início deste post, é igual à da edição original francófona; a outra, exclusiva das lojas FNAC e que foi desenhada propositadamente para o nosso mercado, pode ser vista aqui.

(Versão revista e aumentada do artigo publicado originalmente a 9 de Janeiro de 2010, na secção de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

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