Em 1947, estreava-se
o Camarada, “O único jornal infantil para rapazes”, uma revista infanto-juvenil
lançada a 1 de Dezembro, então ainda feriado (e ninguém de bom senso imaginava
que alguma vez pudesse ser de outra forma) pois era dia da Restauração da Independência
e também da Mocidade Portuguesa, que a patrocinava.
O Camarada
fez parte do lote dos “quadradinhos do regime”, como os classifica Dias de Deus
na obra “Os Comics em Portugal”, revistas para os mais novos nas quais “a
doutrinação política estava subjacente”. Por isso ou porque as bandas
desenhadas importadas pelo Mosquito, o Diabrete e, mais tarde, o Mundo de
Aventuras eram mais apelativas, a nova publicação nunca se conseguiu impor
verdadeiramente.
De formato
ligeiramente inferior ao A4 e preço de 1$20, tinha como director Baltazar
Rebelo de Sousa (pai do comentador televisivo) e, a par dos habituais contos,
passatempos e curiosidades, apostou apenas em histórias aos quadradinhos de autores
portugueses, destacando-se Júlio Gil, Carlos Alberto Santos (hoje pintor), José
Garcês e José Ruy (ainda em actividade) ou Vítor Péon.
Ao fim de
quatro anos, em 1951, suspendia a publicação quinzenal com 133 números editados.
No ano seguinte promoveu Antes, em 1952 inaugurou a 1.ª Exposição Portuguesa de
Histórias aos Quadradinhos, no Palácio da Independência, evento pioneiro,
antecipado apenas pela primeira exposição mundial do género realizada em São Paulo
um ano antes.
A 20 de
Dezembro de 1957, o Camarada ressurgiria numa segunda série, mais infantil e
colorida (um luxo para a época), com Marcello de Morais como editor e autores como
Artur Correia e Ricardo Neto, que fariam carreira no cinema animado, ou Carlos
Roque, futuro colaborador da revista belga Spirou. Embora a aposta se
mantivesse nos autores lusos, após um ano de publicação abriria as suas portas
a dois gigantes da BD europeia, Franquin e Macherot, estreando em Portugal os
seus heróis, Spirou e Clorifila.
Ambos estariam presentes na colecção cartonada
Álbuns do Camarada, o primeiro em “O feiticeiro de Vila Nova de Milfungos” (com
capa original desenhada para o efeito por Franquin) e Clorofila em “Os
Quebra-Ossos”, hoje em dia uma das edições mais raras da BD nacional. “O
Cruzeiro do Caranguejo”, de Carlos Roque, “Brés, a ilha afortunada”, de Júlio
Gil, e “Uma aventura em Paris/O Signo do Centauro”, de Marcello de Morais foram
os restantes títulos editados.
Em Maio de
1965, após quase oito anos e 193 números, o Camarada dizia definitivamente
adeus aos seus leitores.
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de
1 de Dezembro de 2012)
Muito obrigado, em nome de todos os leitores da "velha guarda", pela oportuna evocação de mais um aniversário da revista "Camarada", uma das que marcaram a minha juventude, em grande parte por causa das portas que abria para outro mundo das histórias aos quadradinhos, com o cunho de uma jovem e inovadora escola portuguesa, que procurava abertamente romper com outros modelos e tradições mais conservadores - o que, aliado à deficiente distribuição, pode ter sido uma das razões que precipitaram o fim prematuro da 1ª série. Sinceramente, nunca achei o aspecto doutrinário muito relevante na maior parte dos temas que a revista abordava.
ResponderEliminarA 2ª série, que também acompanhei com muito interesse, teve várias marcas distintivas, de cariz mais tradicionalista, continuando a apostar em autores portugueses que, nalguns casos, ainda frequentavam a Escola de Belas Artes; outros, como Júlio Gil, Marcello de Morais e José Garcês, colaboradores também da 1ª série, já tinham um assinalável percurso artístico. Mas foi, sem dúvida, a estreia entre nós de grandes séries belgas, como Spirou & Fantasio e Clorofila (oriundas da escola de Marcinelle, rival da escola de Hergé ou de Bruxelas), o factor mais determinante que prolongou a existência desta série do "Camarada" até ao 8º ano consecutivo de publicação. Graficamente a revista marcou também a sua época, recheada de cores e de belíssimas ilustrações com a assinatura, entre outras, de Fernandes Silva, artista quase desconhecido e menosprezado mas que é um dos maiores nomes da nossa bd humorística (e não só).
Quanto aos álbuns, importa referir também as recolhas cartonadas (e bastante raras) respeitantes a cada ano de publicação, um dos items mais apreciados (e cobiçados) pelos coleccionadores. A esse propósito, tenho uma pequena história a contar: há muitos anos, seguramente mais de trinta, consegui finalmente descobrir num alfarrabista essa colecção anual quase completa (faltava apenas um volume), por um preço bastante acessível, naquela altura, para a minha bolsa (hoje outro "galo" cantaria). Pormenor curioso é que a colecção tinha acabado de ser posta à venda, nessa loja aonde eu me deslocava com frequência. Claro que fiz a compra, cheio de entusiasmo, passando de imediato um cheque ao dono da loja, pessoa afável e que eu conhecia bastante bem. Instantes depois, apareceu no local outro coleccionador (muito famoso no nosso meio, mas cujo nome não revelo) que deve ter sofrido um dos maiores desgostos da sua vida por não ter chegado antes de mim, pois também estava interessadíssimo naqueles volumes. Ainda me lembro da sua expressão e dos seus comentários de desapontamento e estou certo de que ele também não esqueceu esse momento particularmente desditoso da sua vida de coleccionador.
Voltando ainda aos álbuns do "Camarada", devo referir que tanto "Brés, a Ilha Afortunada", de Júlio Gil, como "O Signo do Centauro", de Marcello de Morais, são edições de género diferente, com capa mole e "miolo" impresso a duas cores, lançadas pouco depois da extinção da 1ª série do "Camarada", o primeiro número com a conclusão da aventura de Chico (sem dúvida, o herói mais popular da revista) e o segundo com uma aventura inédita de outra personagem também muito apreciada pelos leitores: Vic Este, um jovem estudante com vocação de detective que saíra de Portugal para ir frequentar o curso de Belas Artes em Paris. Infelizmente a colecção dos primeiros álbuns do "Camarada" ficou por aí...
Um grande abraço do
Jorge Magalhães
Caro Jorge Magalhães,
EliminarObrigado pela forma como complementa o meu texto e também pelo divertido (para si!) episódio narrado. Também já vivi experiências semelhantes - num e noutro papel...
Relativamente aos álbuns do Camarada, pesquisei a informação em diversas fontes e possivelmente fiz alguma confusão...
Apenas possuo O Cruzeiro do Caranguejo, esse sim cartonado, em bastante bom estado e até autografado pelo Carlos Roque aquando de uma passagem pelo Salão Internacional de BD do Porto.
E tenho também uma história - infeliz - com eles relacionada: há muitos - muitos! - anos vi à venda num alfarrabista do Porto o álbum do Clorofila por um preço que me pareceu excessivo para o seu estado. Deixei-o ficar para investigar do que se tratava; quando lá voltei, no dia seguinte, já tinha desaparecido... Nunca mais vi nenhum exemplar e confesso que teria muito gosto em tê-lo na minha colecção...
Boas leituras... e boas compras!
Caro Pedro,
ResponderEliminarAgradeço a sua resposta ao meu comentário, e como o tema é aliciante volto a ele com mais algumas achegas: qualquer dos álbuns cartonados do "Camarada", como sabe, é hoje bastante raro e nem me atrevo a apostar qual será o mais valioso. Talvez "O Feiticeiro de Vila Nova de Milfungos", por causa da capa original do Franquin... o que atrai também coleccionadores estrangeiros. Mas "Os Quebra-Ossos" – que encontrei, certa vez, por sorte incrível, n'A Barateira do Chiado, em bom estado e por preço bastante módico em relação ao seu valor actual – é seguramente o mais raro. Só o vi uma vez e foi dessa em que lhe deitei a mão sem hesitar. Aliás, talvez tivesse hesitado se o seu estado de conservação me desagradasse... e hoje estaria certamente algo arrependido.
Há também dois álbuns cartonados, com menos procura mas igualmente difíceis de encontrar, com o título "Grandes Portugueses", recolhas de histórias curtas de cariz histórico-biográfico com a assinatura de diversos autores, todos presentes nas páginas do "Camarada". E também a quase desconhecida colecção "Caravela", com dois álbuns de pequeno formato, capa mole e lombada, que publicaram as histórias "Uma Aventura no Japão", desenhada por António Vaz Pereira (reedição da 1ª série do "Camarada") e "Chico e o Espírito de Fogo", 3º episódio, inédito, da famosa série de Júlio Gil, cuja acção decorria em Angola, durante a chamada guerra colonial.
De autores estrangeiros, além de Franquin e Macherot, há ainda a referir "Guerra no País dos Insectos", por C. Arnal, e "O Barão Aventureiro", por Domenico Natoli, em álbuns não cartonados e com capas de Carlos Roque.
Como se vê, vale a pena rebuscar no valioso espólio que o "Camarada" nos deixou.
Abraços do
Jorge Magalhães
Caro Jorge Magalhães,
EliminarO tema é aliciante sem dúvida e torna-se ainda mais quando abordado por um conhecedor!
Agora, a quem costuma ler estes textos no meu blog, só resta ir rebuscar nos sótãos e garagens, à procura desses raríssimos álbuns, que podem valer algumas dezenas ou mesmo centenas de euros...
Eu, infelizmente, já há muitos anos que remexi onde podia... com bons resultados, diga-se de passagem, pois "herdei" muitas revistas dos anos 30, 40 e 50, que tinham pertencido á minha mãe e aos meus tios...
Boas leituras!
Uma curiosidade curiosíssima: o nosso Geraldes Lino colaborou na 2ª série com o pseudónimo de Geraldino Caracol. E esta, hein?!
ResponderEliminarGeraldino Caracol!? Muito curioso, sem dúvida!
ResponderEliminarBoas leituras!