Esta é (mais) uma das (boas) surpresas de um ano que ainda só conta
pouco mais de três meses, tanto pelo inesperado da sua publicação,
quanto pela qualidade da proposta em si.
Mas, aureolado por ter sido ‘a primeira novela gráfica finalista
do Booker Prize’, está longe de ser um livro fácil ou
mesmo consensual.
[O Booker Prize, instituído
em 1968, é um dos mais importantes prémios literários do Reino
Unido p+ara obras escritas em
inglês e a indicação de
uma BD entre os seus finalistas foi
uma óbvia surpresa.
Evidentemente - já o escrevi várias
vezes - os prémios só têm a importância que lhes queremos
atribuir. Nem
mais, nem menos. Pessoalmente, tenho algumas reservas quando bandas
desenhadas são consideradas ‘meritórias’ de concorrer a prémios
literários. Para além da dificuldade evidente da comparação de
géneros diferentes, soa-me sempre a concessão por parte de quem
organiza e entendo que a BD não precisa - não deveria precisar -
deste tipo de reconhecimento que pesa mais - deveria pesar - fora do
seu meio específico - que não deve ser fechado sobre si próprio -
do que no mundo da edição de BD em particular. Embora - reconheço
- constitua um belo contributo para o marketing de qualquer obra e
possa servir para alavancar as vendas de uma BD junto de públicos
que, geralmente, não a lêem.
Com resultados? Não sei. Porque,
sejamos justos, ler BD implica um conhecimento prático dos seus
códigos e das suas diferenças e não serão assim tantos
aqueles capazes de, do nada,
entrar na leitura de uma banda desenhada se a isso não estão
habituados.]
E este último parágrafo, de um muito longo intróito, serve de ponte para entrar especificamente neste Sabrina, uma obra que, reitero, ‘está longe de ser um livro fácil ou mesmo consensual’.
E este último parágrafo, de um muito longo intróito, serve de ponte para entrar especificamente neste Sabrina, uma obra que, reitero, ‘está longe de ser um livro fácil ou mesmo consensual’.
Pela sua construção
- mesmo para quem está acostumado a ler BD - pela sua temática e
pela forma como ela é abordada.
Vou tentar ir por partes.
Sabrina, datado de 2018,
tem como ponto de partida o desaparecimento da personagem que lhe dá
título. Não numa óptica de investigação policial, como seria
mais expectável e óbvio, mas na forma como o desaparecimento da
jovem, há mais de um mês quando ‘entramos’ neste romance
gráfico, afectou aqueles que com ela privavam, especialmente o
namorado, Teddy.
Por isso, na verdade, Sabrina
é uma obra de análise
sociológica comportamental e um retrato, duro, denso, incómodo e
inquietante da actual realidade, em que as interacções estão cada
vez mais confinadas às redes sociais, reduzindo a um mínimo
perturbador os contactos físicos.
O livro arranca
com a chegada de Teddy a casa de Calvin, actualmente militar e seu
colega da
escola. Mas desengane-se o leitor se esperava um reatar de uma
antiga relação de amizade
ou a alavanca para um recomeço de vida após o trauma que o
desaparecimento - e posterior descoberta do que realmente sucedeu
através de um vídeo que rapidamente se torna viral - pois ele,
mergulhado numa depressão profunda - e num misto de sensação de
culpa, desinteresse e incapacidade de enfrentar a realidade - apenas
se tornará pouco mais do que um elemento extra na decoração da
habitação, desprovido de iniciativa ou vontade.
Graficamente, Sabrina, é também uma obra difícil. Duplamente difícil, atrevo-me a escrever. Desde logo, de uma forma linear e imediata, porque o traço de Nick Drnaso, o autor, tem sérios problemas. Alguém disse algo como: ‘para desenhar mal, primeiro é preciso saber desenhar bem’. E Drnaso, claramente não sabe. Pelo menos ao nível da figura humana, com evidentes problemas de proporcionalidade, de expressividade e de representação do movimento e, acima de tudo na dificuldade que evidencia de levar o leitor a distinguir homens e mulheres. Poderá ser uma opção voluntária, de carácter metafórico, que aponte para a cada vez maior indiferenciação da sociedade - nomeadamente em termos de escolhas, opções e modos de vida - mas é algo que dificulta a leitura e obriga a voltar atrás repetidamente, pelo menos até que sejam interiorizados os pequenos pormenores que distinguem os diversos intervenientes, que raramente vão mais além da cor ou do corte do cabelo…
Mas se o traço de Drnaso está longe de ser agradável ou até eficaz em termos de sequência narrativa, isso é claramente compensado pela sua planificação minimalista. Com páginas sobrecarregadas de vinhetas - raramente menos de uma dúzia, mas podendo chegar à vintena - o autor gere de forma exemplar o ritmo lento que desejou imprimir à sua obra, desconstruindo assim o movimento e o quotidiano e multiplicando os silêncios, os momentos vazios, a indefinição interior das personagens, a sua incapacidade - ou sequer vontade - de tomar decisões. Com isso, transmite a Sabrina um tom opressivo, incómodo, em que a eventual necessidade que o leitor sente de respostas e desenvolvimentos, esbarra sempre num e noutro momento de não decisão - de ausência de iniciativa - de um e outro protagonista e no tom frio, impessoal e distante com que Drnaso dotou a obra.
À curta rede de relações
(inexistentes) que (não) se
cruzam - Teddy afastado da família da sua namorada - de
todos; a
distanciamento
raramente ultrapassado
entre ele e Calvin; o cada vez maior afastamento deste da
mulher e da filha, de quem está separado e fisicamente
longe; a sua incapacidade de
decidir entre uma maior proximidade delas ou a promoção que o
exército lhe oferece… - vem juntar-se, a certa altura, o
assustador retrato das
misérias da nossa sociedade, onde a importância
das redes sociais é cada vez
maior, como forma
de alienação do real e como campo
em que - tantas vezes a coberto de um cobarde anonimato - damos
largas ao extremista - racial, social, desportivo, ecológico… -
que existe em nós, libertando - de forma gratuita
mas com consequências nem sempre inócuas - raivas,
ódios, intolerâncias que no dia-a-dia escondemos.
E, quando o leitor poderia esperar
alguma definição - mesmo que só relativa - no final, Sabrina
chega ao fim de forma aberta,
(quase) sem respostas nem desfechos, talvez porque, como retrato da
vida real, apresenta-nos
apenas uma sucessão de (alguns)
dias - vazios, difíceis,
informes - e outros tantos - mais ou menos… - estarão
por vir.
Volto a repetir(-me): Sabrina, ‘está longe de ser um livro fácil ou mesmo consensual’. Pela sua construção, pelo seu grafismo, pela sua temática e pela forma como ela é abordada, é, sem dúvida, uma daquelas obras que se ama ou odeia, sem meios termos.
Sabrina
Nick
Dranaso
Porto
Editora
Portugal,
2
de Abril de
2019
202
x 247
mm, 204
p., cor, capa dura
24
€
(imagens
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em
toda a sua extensão)
Não amei nem odiei. Gostei mas não adorei. Os desenhos são realmente um bocado simplistas, mas há dezenas de obras de bd (sobretudo armadas a 'alternativas') em que são ainda piores. Está bem construido a noção das redes xoxiais (das quais, os blogs incluindo este)m fazem parte, enquanto do relacionamneto humano. E o que me irritou ou desapontou, foi mesmo o final. Aquilo não é um final. É como alguém apontou algures, a vida que continua sem propriamente um 'fim'. Mas que em libro /(seja de bd ou outra coisa) é demasiado aberto. Ou seja, parece uma das telenovelas dos comics americanos em que temos sempre de comprar a revista seguinte para continuar a seguir a história. Mas aqui, não há (haverá?) revista seguinte...
ResponderEliminar