17/04/2019

Comanche #1

Reencontro




Se com o fim da Goody, alguns temiam o que 2019 iria ser, parece-me que o ano em curso está a ultrapassar (muit)as expectativas, com as boas - e muito boas - edições a sucederem-se.
A mais recente é Comanche, uma das traves mestras do meu desenvolvimento enquanto leitor de BD, e esta edição cumpre bem os meus sonhos - utópicos - de ‘quando um dia for editor...’
A obra
Não sei quando descobri Comanche - e Red Dust, o verdadeiro protagonista - mas sei que a/o fui lendo ao sabor dos álbuns portugueses que - à revelia da sua ordem cronológica - me iam caindo nas mãos. Mais tarde, completada colecção com as edições originais franco-belgas inéditas em português, a leitura ordenada do conjunto possibilitou uma visão mais completa e abrangente e a confirmação de que estava perante uma das grandes séries de BD ambientadas no velho Oeste.
Sendo eu, desde sempre - ou quase? - amante de western, foi com Comanche - e Red Dust, friso de novo - que descobri que o género podia oferecer mais - muito mais - do que grandes cavalgadas, duelos emocionantes, tiroteios cerrados, perseguições e confrontos entre brancos e brancos ou estes e os índios.
Que estão todos presentes - em doses generosas, embora variáveis - em Comanche, mas onde descobri(mos) também que o herói nem sempre vence, que a rapariga pode não ficar com ele, que o que é certo e a justiça nem sempre caminham de mãos dadas, que esta última é muitas vezes cega.
E que o mais selvagem dos animais é sempre o homem - e por vezes a única forma de os tratar é como tal - e que a ganância, a prepotência, o racismo ou a simples - simples? - sede de sangue justificam, para muitos, comportamentos arrepiantes e nada civilizados, de que ninguém está ao abrigo ou livre.
Tudo isto, está presente neste volume inicial, que se noa apresenta centrado na chegada do cowboy solitário Red Dust ao rancho 666, gerido pela indomável - jovem, mestiça - Comanche, e a constituição da sua equipa base, com o velho Ten Gallons, o negro Toby, o imberbe Clem e o pele-vermelha Raio de Luar.
As diferenças de pele e temperamento, as ameaças veladas da civilização que se aproxima sem pedir licença nem respeitar nada nem ninguém, a fome, a exploração, as vinganças e a ameaça do bando sanguinário dos irmãos Dobbs - de um seu misterioso aliado… - , são os ingredientes seguintes destes primeiros quatro álbuns, reunidos neste integral.
Construído como ‘falsos’ episódios curtos de 8 páginas, Comanche apresenta um ritmo próprio, bastante pausado para um western, muitas vezes introspectivo, com tempo para respirar e olhar os magníficos cenários desenhados por Hermann
É verdade que Greg tem algumas tiradas grandiloquentes, que hoje soam um pouco forçadas, mas que se desculpam face ao conjunto com que nos presenteia.
E, para os amantes do western puro e duro, uma chamada de atenção para duas cenas fundamentais presentes neste integral, mais precisamente dois duelos, aqueles em que Dust enfrenta Kentucky - virá mais à frente uma bela história curta que torna (ainda) mais dramático este confronto - e o final, com Russ Dobbs.

A edição
1. Integral
Comanche é o primeiro ‘verdadeiro integral franco-belga’ em português. Já tivemos diversos volumes duplos, já tivemos algumas edições integrais de comics, mas este - não tivesse tantas mais qualidades - ficaria com o mérito de ser o o primeiro oriundo do mercado francófono, tal como os entendemos actualmente.
Para além disso, apresenta uma qualidade (quase) insuperável: tamanho grande, boa encadernação, excelente papel de gramagem generosa, uma impressão sem defeitos, com os negros bem negros a contrastarem na brancura do papel.

2. Cor ou pb?
Esta edição de Comanche é a preto e branco. Muitos já reclamaram por isso. Pessoalmente, no caso destes quatro álbuns iniciais, prefiro de longe este soberbo preto e branco de Hermann - apesar de algyumas personagens atarracadas, aqui e ali em Red Dust - do que as cores originais datadas e em que abundam vinhetas de tom quase único. Mais para a frente, poderei até ter outra opinião, mas a verdade é que Comanche a preto e branco é uma bela opção. [E desenganem-se os que queriam apreciar a cores o ‘céu vermelho sobre Laramie’, a versão original colorida mostra-o de passagem numa prancha, e o resto da acção decorre de noite...]
Expresso o meu gosto pessoal, de um ponto de vista comercial a minha opinião poderá ser outra, pois sob essa óptica parece-me que a edição colorida - de uma obra criada a cores - será sempre mais vendável que a versão em preto e branco: para os saudosistas da série, foi assim que a descobriram; para (muitos d)os jovens leitores, o preto e branco parece sempre arcaico e ultrapassado; para um leitor eventual, a cor é sempre mais atractiva que a ausência dela, mais a mais num volume com o preço deste - que não ponho em causa.
Em termos de custo a diferença por volume seria assim tão significativa? As opiniões que recolhi dizem que não...

3. Dois ou três volumes
Esta é outra discussão - aos meus olhos estéril - que este volume levantou. Se já não será fácil vender uma obra de BD cujo custo ultrapassa os 30 €, alguém acredita realmente que ela seria mais facilmente escoada em volumes a 50 €? Há que lembrar que mesmo edições com o peso nostálgico desta, terão de apontar sempre além do núcleo duro que cresceu com Comanche.

Comanche
Inclui os álbuns Red Dust, Os Guerreiros do Desespero, Os Lobos do Wyomig e O Céu está vermelho sobre Laramie
Greg (argumento)
Hermann (desenho)
Ala dos Livros
Portugal, Abril de 2019
235 x 310 mm, 200 p., cor, capa dura
32,90 €

(imagens disponibilizada pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

3 comentários:

  1. Acho uma iniciativa arrojada, que merece todo o nosso apoio e entusiasmo. Convém dizer que o formato final não respeita as dimensões do original (267*340). Não sei se faz muita diferença, teria de ter os dois na mão para poder dizer, se calhar até se torna mais legível. Tenho as do Thorgal, gosto muito do formato original.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Estive a folheá-lo, pareceu-me uma boa edição. O formato mais pequeno retira alguma espectacularidade às pranchas (por comparação com o Thorgal, que tenho e li o 1º vol. no formato maior da Niffle), mas torna a leitura, e particularmente o manuseamento, mais fáceis. Boa ideia o partir em 3 vols, 32.90€ parece-me um preço adequado

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