09/04/2020

Le crime qui est le tien

Par de ases



Encontrar num mesmo livro dois dos autores que fazem parte das minhas leituras recorrentes, é uma daquelas felicidades que por vezes a banda desenhada nos oferece.
Por um lado, Zidrou, o argumentista multifacetado, incapaz de uma história menor ou mal escrita. Por outro, Berthet, o meu ‘vício’ linha clara, cujo traço não deixa de me surpreender e seduzir.
Por isso, se à partida Le crime qui est le tien já era uma aposta ganha, a leitura só o veio confirmar.
Relato dramático de contornos policiais, Le crime qui est le tien arranca com um acontecimento traumático e uma confissão que o é mais: às portas da morte, um homem confessa o assassinato da sua cunhada, crime pelo qual o seu irmão foi acusado mais de meio quarto século antes, o que fez dele um fugitivo. Ou, melhor, um eremita, pastor de ovelhas, no cimo de uma montanha perdida.
A chegada da notícia da confissão, leva Greg Hopper a regressar à sua cidade natal e a descobrir reacções díspares: os que ‘sempre o souberam inocente’ e aqueles que ainda o ‘acham culpado’. E é também o momento de (re)encontrar a cunhada e a sobrinha - que nunca conheceu - que a cobardia de uns e a vingança tardia de outros tornam agora vítimas dos acontecimentos de (tantos) anos atrás.
E, principalmente, é tempo de alimentar o fantasma que há tantos anos o assombra, de voltar continuar? - a sentir o peso avassalador dos incontáveis amantes e casos de uma só noite (ou manhã, ou tarde) que a sua esposa (lhe) contou - que na sua imaginação ainda continua a contar. Um a um. Repetidamente. De forma real aos nossos olhos de leitores.
Numa história que parece linear - mas que o desfecho revelará afinal bem diferente do que o leitor foi imaginando - ou aceitando - Zidrou explora o ‘síndroma’ de cidade pequena, em que todos se conhecem, remexendo feridas, sangrando recordações, numa drama psicológico em que ninguém realmente vence, mas em que muitos são perdedores.
Do traço de Berthet, já falei muitas vezes: límpido, de tons lisos e (quase sempre) luminosos, sensual no retrato das belas mulheres - com Lee Hopper à frente de todas - animalista quanto baste, paisagista quando é preciso, delicioso na reconstrução - mais uma vez! - dos anos 1960 em que a acção decorre, dos seus edifícios, das suas roupas, antes de tudo dos seus carros!

Le crime qui est le tien
Zidrou (argumento)
Berthet (desenho)
Dargaud
França, 2015
241 x 318 mm, 64 p., cor, capa dura
ISBN: 9782505063438
15,00

(imagens disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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