20/04/2021

Love Kills

Herdeiros do manga (II)


Começa a ser (quase) regra, o recurso recorrente aos mesmos textos de abertura; regresso então ao que escrevi para introduzir Yojimbot: ‘Se noutras épocas, foram as tiras de imprensa norte-americana, primeiro, ou os super-heróis, mais tarde, por exemplo, que influenciaram gerações de autores, as mais recentes têm no manga - e no anime, também - muitas das suas raízes, o que se torna evidente nas suas obras’.
Curiosamente, confesso que, numa primeira análise, estaria longe de aplicar este princípio a Danilo Beyruth, mas a leitura deste soberbo Love Kills mostrou-me ser a melhor abordagem.

Autor das versões - que versões! - Graphic MSP do Astronauta de Maurício de Sousa, de uma versão da lenda de São Jorge ou do conseguido ‘western’ ambientado no sertão brasileiro Bando de Dois, Beyruth está graficamente longe do ‘estereótipo’ manga no que respeita ao visual das suas personagens, uma vez que, geralmente, elas são mais duras, mais reais - mais à nossa imagem e semelhança!

Mas, em termos narrativos, neste Love Kills, se existe algo que se destaca e brilha, é a perfeita utilização de linhas cinéticas de movimento para dar vida e uma dinâmica arrebatadora às cenas de perseguição ou confronto. A par disso, a desconstrução em imagens sucessivas - a quase congelação sequencial de curtos momentos, aproxima indiscutivelmente esta narrativa de uma certa estética manga. E, reconheço, o traço menos agreste aqui adoptado - em claro contraste - com a violência omnipresente e a temática forte, também tem algo de manga.

É pelo apontado atrás - principalmente - que este volume com umas generosas duas centenas e meia de páginas - se lê de um só fôlego, arrebatadoramente, enquanto corremos esbaforidos atrás de Helena e Marcos, que fogem dos seus perseguidores ou os procuram para os enfrentar de vez.

É graças a essa dinâmica narrativa, à sucessiva utilização de diversos pontos de vista para a criar, à expressividade e mesmo limpidez do traço a preto e branco utilizado, raramente pormenorizado - mas de um imenso detalhe quando o é! -, mas vivendo sempre de fortes contrastes branco/negro, que Beyruth em diversas sequências, cuja extensão pode ultrapassar as duas dezenas de pranchas, nos guia muitas vezes sem qualquer palavra.

Paro um pouco a análise, para uma breve sinopse. Por muito pouco - ou nada - que o título o indicie, estamos perante uma histórias de criaturas da noite, os populares vampiros. Numa qualquer metrópole brasileira (ou ocidental), duas estirpes tentam anular-se - aniquilar-se… - mutuamente, por razões que o desenrolar do enredo se encarregará de explicar.

Marcos, mero trabalhador de um restaurante de fast-food, cruza-se casualmente com a bela Helena, caindo enfeitiçado pelos seus encantos, sem fazer ideia daquilo em que se vai meter. Solidário e disponível, irá aos poucos mergulhar no seu mundo - contra a vontade dela - justificando assim o autor o título adoptado.

Pela forma como Beyruth domina a anatomia humana - pelo pouco que nos foi (provocadoramente?) mostrando, a começar logo na bela capa - parece-me que a exploração da sensualidade latente em Helena teria sido uma mais valia para este relato, aprofundando até a ligação crescente entre os dois protagonistas, mas… é só uma opinião e eu não sou (o) autor.

À componente fortemente fantástica dominante, sublinhada pela violência inerente aos confrontos a que assistimos, Danilo Beyruth acrescenta o amor apaixonado como um dos constituintes deste relato, também condimentado com uma reflexão sobre o preço da imortalidade e a forma como ela pode tornar-se um fardo e não uma bênção.


Love Kills
Danilo Beyruth
Soleil
França, 7 de Abril de 2021
190 x 283 mm, 248 p., pb, capa dura
EAN: 9782302089396
18,95

(imagens disponibilizadas pela editora Soleil; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Bom livro para ser editado em Portugal e a ser lançado num festival de BD com a presença do autor.

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