23/04/2021

Criminal Livro Quatro

Sob o signo da banda desenhada




O regresso a Criminal faz-se sob o signo da banda desenhada. Se a frase parece redundante, uma pequena explicação fará com faça sentido: os dois contos incluídos neste volume, têm por mote a BD, a dois tempos: na óptica do leitor e na óptica do criador. Mas sem que isso belisque minimamente as bases narrativas que Brubaker e Phillips já tinham estabelecido.

Um dos principais atractivos de Criminal, uma série policial negra e dura, altamente aconselhável, aqui na sua quarta recolha - mais o volume ‘extra’ Os meus heróis foram sempre drogados - é o facto de, podendo perfeitamente ser lidos de forma isolada, ganharem outra consistência e interesse quando lidos em sequência, uma vez que de umas histórias para outras são várias as personagens que vão reaparecendo. Isto permite uma maior ligação do leitor com o universo da série e o estabelecimento de uma rede, cada vez mais intrincada, de relações entre as diversas personagens recorrentes, o que contribui para conferir uma estranha familiaridade e credibilidade ao todo - e a cada volume.

Assim, em meados da década de 1970, no primeiro - Altura Errada - dos três contos deste Livro Quatro - voltamos a Teeg Lawless, cujos actos levaram à cadeia, onde começa a ser alvo de uma vingança que pretende ser fatal.

Saltando para o final da década - em Lugar Errado - vamos acompanhá-lo numa espécie de road trip através dos Estrados Unidos, com um objectivo que o leitor só descobrirá no final, tal como acontece com o seu acompanhante, Tracy, o seu filho de doze anos, que conhecemos no conto anterior.

Enquanto a acção se desenrola, vamos compreendendo melhor a forma de pensar de Lawless e as consequências das suas escolhas e dos seus actos, na sua vida e na daqueles que o rodeiam, em especial - e de forma chocante - na de Tracy, pelo abandono a que é votado, por aquilo que é obrigado a ver, por aquilo que é obrigado a fazer, pelo (muito) de que tem de abdicar…

Se o enredo em si - apesar de relativamente linear - já é suficientemente apelativo, em especial pela forma concisa e contida como Brubaker nos vai passando a informação, o relato sobe na escala pela forma como o argumentista une as duas partes: revistas de banda desenhada - de espada e feitiçaria e de terror - que o pai lia na prisão e o filho lê na estrada, para ajudar a passar o tempo. Apresentadas a preto e branco - em contraste com as cores sombrias típicas de Criminal - e num estilo mais simples do que o habitual traço realista de Philips, estas revistas - e estas séries - são de certa forma mais adultas (visualmente) e mais (fantasiosamente) violentas do que o relato principal - onde o tom adulto e violento é sublinhado - a um nível mais psicológico - pela crueza dos relatos, sendo ao mesmo tempo uma clara homenagem aos títulos pulp dos anos 1950/1960. E, apresentadas em paralelo com o relato principal, revelam (ser) mais do que simples entretenimento.


E é a banda desenhada, de novo em tom de homenagem - mas simultaneamente de desencanto - que liga este díptico ao conto final - Fim-se-semana mau - que decorre maioritariamente numa convenção de comics e em que Jacob, o criador de Frank Kafla que já conhecemos num volume anterior, acompanha Hal Crane, seu ex-mentor e ídolo, um autor famoso (há muito) em (franca) decadência.

Para além da omnipresente (temática da) BD - iremos descobrir que Crane desenhou a história do bárbaro que Tracy e Lawless leram no início - ao mesmo tempo que descobrimos que este último tem (pelo menos) mais um filho, Ricky, que enveredou igualmente por uma vida de (pequena) criminalidade.

A par deste encaixar de personagens e situações que expandem e fortalecem o universo de Criminal, predomina igualmente o tom de desilusão e definhamento que de alguma forma embala toda a série, aqui consubstanciado em Hal Crane, que passou ao lado de uma carreira como um dos expoentes máximos da BD, devido ao jogo e ao álcool, guardando de uma vida que podia ter sido plena e planamente satisfatória apenas desencanto e ressentimentos.

A par de alguns encontros e referências factuais a ‘monstros sagrados’ da BD, este será um fim-de-semana marcado por assaltos, falsificações, mentiras e tristes confidências, cujo desfecho, mais uma vez, para lá de nos surpreender, nos deixará profundamente desencantados com o ser humano...

...embora cada vez mais admiradores de Criminal!


Nota final: chamar ‘estilosa’ a uma escrita, para mim não é um elogio, bem pelo contrário; ler na capa de Criminal Livro Quatro que ‘a escrita de Brubaker continua tão estilosa e directa como sempre’ foi um choque…


Criminal Livro Quatro
Ed Brubaker (argumento)
Sean Phillips (desenho)
Val Staples (cores)
G. Floy
Portugal, Abril de 2021
180 x 275 mm, 176 p., cor, capa dura
20,00

(imagens disponibilizadas pela G. Floy; clicar neste link para descobrir mais ou nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

7 comentários:

  1. Penso que pretendiam dizer "estilizada", do inglês "stylized".

    Hoje vi muitas "estilosas" a fazer fila para entrar na Zara!

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    1. Creio que não, que era "stylish". A tradução é infeliz, acho, mas o sentido é o mesmo "com estilo" e não "estilizado". Não sei o que seria melhor meter, mas o sentido em inglês muitas vezes de "stylish" é também confiante, habilidoso, que seria o que eu teria colocado.

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  2. Escrita talentosa.

    Penso que as edições americanas sobre as quais são feitas estas nacionais não têm este tipo de "praise".

    E eu acho que Criminal não precisa destas publicidades, além de que estragam um pouco a arte da capa.

    Mas pior mesmo, na minha opinião, é o Stumptown, cada volume cada referência à série de TV.

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    1. Mas o volume #3 já não vai ter referência à série de TV parece-me.

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    2. Obviamente foi tradução infeliz, o 'escrita talentosa' seria uma boa solução.
      Quanto à citação na capa - que eu também dispensava - ela curiosamente está ausente das edições originais...
      Boas leituras!

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  3. Agora eu queria é que a dupla Aaron/Guera se despachasse, nunca mais sai o último número do Vvirgin Brides para termos o 2º volume do Goddamned. :)

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  4. Comprei agora e pela primeira vez as edições nacionais do Criminal, até à data apenas tinha adquirido as revistas.

    Sobre o primeiro volume, tenho de dizer que é uma boa edição, bom papel, boa impressão.

    O que me lixa são as constantes gralhas, falta de palavras nos balões e uma adaptação mal conseguida dos pronomes em inglês.

    Nem é preciso ter lido o original para perceber, as gralhas são muitas e irritantes, estragam o ritmo, espero que tenham feito um melhor trabalho de revisão nos volumes seguintes.

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