17/03/2023

Ringo intégrale

Finalmente


Se, como escrevi aqui, Durango era uma lacuna nos meus conhecimentos de western, Ringo era uma lacuna parcial na leitura e também na minha biblioteca, onde até agora só existia ‘espalhado’ pelo Mundo de Aventuras, Tintin Sélection e pelo (único) álbum (publicado em português) da Bertrand. Para complicar, as cinco histórias (na verdade seis…) que protagonizou até hoje tinham sido compiladas uma única vez, em dois volumes de 2004, na colecção Tout Vance, há muito desaparecidos dos mercados.

Agora, finalmente, a publicação integral desta série escrita e desenhada pelo grande William Vance (nos dois momentos iniciais) e depois, sucessivamente, com argumentos de Jacques Acar, Yves Duval e André-Paul Duchateau, permitiu-me a sua leitura cronológica de uma assentada.

Agora, finalmente, a publicação integral desta série escrita e desenhada pelo grande William Vance (nos dois momentos iniciais) e depois, sucessivamente, com argumentos de Jacques Acar, Yves Duval e André-Paul Duchateau, permitiu-me a sua leitura cronológica e de uma assentada.

A profissão de Ray Ringo, guarda de acompanhamento das diligências da Wells Fargo que transportavam o ouro das minas, como descobrimos logo na primeira história, Piste pour Santa Fe (1965), é garante à partida de mobilidade do protagonista e móbil atractivo para aqueles que o vão enfrentar. Esse relato de estreia, apresenta duas curiosidades: a primeira, o facto de a partida de diligência, a preparação do golpe, os ataques de índios e bandoleiros, traições e perseguição se desenrolarem num curto espaço de tempo ‘real’, o que lhe confere um ritmo bastante vivo que privilegia a acção e não deixa grande espaço para reflexões; a segunda, assenta na quase posição de espectador de Ringo, já que os bandidos que assaltam a diligência, a febre do ouro e alguns acasos no caminho se encarregam de reduzir o seu número e deixar ao protagonista pouco mais que o confronto com o último sobrevivente e a recolha do rico metal para o levar ao seu destino.

Curiosamente, após um segundo episódio anódino - La ville de la peur (1966) - em Le serment de Gettysburg (1966), a narrativa recua meia dúzia de anos para encontramos Ringo como tenente no exército nortista na Guerra de Secessão, mas já com a missão de escoltar uma carroça, no caso de um fotógrafo encarregado de registar para a história os momentos mais marcantes daquele confronto fratricida. Se a abordagem histórica é breve e o final do conflito chega rapidamente - mas não dos problemas entre as duas forças que se enfrentaram no campo de batalha - Ringo volta à vida civil e ao emprego que já detinha na Wells Fargo. No entanto, a guerra, as suas sequelas e aquilo que lhe aconteceu não ficam para trás, numa história que mais do que uma vez muda de rumo, mostrando por um lado as consequências do conflito - para o bem e para o mal… - e por outro servindo aos leitores um western movimentado e apelativo.

O tríptico final, inclui duas histórias curtas - L’or des déserteurs e El Diablo s’en mêle (ambas de 1970) - encadeadas nesta publicação, e a única que foi publicada em álbum em Portugal - Trois salopards dans la neige (1976). Principalmente esta última, publicada ‘tardiamente’ em termos cronológicos, mostra já o desempenho gráfico de Vance próximo daquele que nós (re)conhecemos (facilmente) com o seu traço rude personalizado, personagens de feições bem vincadas, mulheres atraentes e sensuais e uma capacidade de representar cenários e paisagens que era única. Uma nota ainda para as pranchas iniciais de cada episódio, que apresentam apenas meia página desenhada sobre fundo negro, o que lhes transmite uma ilusão de cinemascope e uma sensação de profundidade e de grandes espaços perfeitamente condizente com o género.

Se, indiscutivelmente, no início de Ringo, o traço de Vance era ainda algo indefinido, próprio de um autor à procura do seu estilo, neste tríptico final, revela já o grande desenhador que brilhou depois em Bruno Brasil ou XIII.

Mais uma vez o enredo é simples e linear, com uma perseguição a assaltantes após o roubo de ouro de uma diligência. Ringo, mais uma vez percorre um caminho que vai ser semeado de cadáveres, até conseguir o seu objectivo. Curiosamente, na terceira parte da narrativa, a narração é feita pelo protagonista em voz off, contrariando o que até aí tinha acontecido, o que, juntamente com o facto de toda a acção decorrer debaixo de neve e sobre um espesso manto branco, acentua a noção de perda, solidão e desespero, a par de um reforço da violência e um tom mais duro.

Estas características justificavam acreditar numa continuidade mais madura e interessante de Ringo, o que, como agora sabemos, não aconteceu mas, olhando para a posterior (e brilhante) carreira de William Vance, não podemos lamentar.


Integral… curto

Numa série como esta, curta e algo dispersa, lamenta-se que a sua recolha num único volume não venha acompanhada de um texto, mesmo que conciso, que contextualizasse a sua publicação original na sua época e nas revistas que a viram nascer. Por dar, por exemplo, ficou uma explicação importante: os três episódios finais surgiram originalmente na Tintin Séléction, publicação no chamado ‘formato de bolso’, num enquadramento de 3 tiras x 2 vinhetas, já pensada para uma remontagem numa posterior publicação em álbum. E foram publicados em blocos auto-conclusivos, o que é notório na sua construção narrativa, nesta leitura integral.


Aliás, habituado às suculentas introduções que as edições integrais francesas costumam incluir, é penoso encontrar neste álbum, apenas duas ilustrações, a capa de quatro revistas da Tintin belga que Ringo protagonizou e a ilustração usada para frontispício de um dos três álbuns...


Em Portugal… e no Brasil

No nosso país, Ringo estreou-se logo no número inaugural da revista Tintin (1968), mas, surpreendentemente, com o segundo episódio da série; voltaria nesse mesmo ano com a primeira e terceira entregas, para terminar a sua carreira nesta publicação em 1981, no final do 13.º ano, com o derradeiro episódio, que a Livraria Bertrand publicaria em álbum no final desse ano.

Entre uma e outra, marcou presença breve nas páginas do Mundo de Aventuras #404 com O ouro dos fugitivos. Dessa forma, ficou inédito no nosso país El Diablo s’en mêle.


Curiosamente, esta história seria publicada no Brasil, e logo por duas vezes: em 1972, nas Seleções Tintin #3, da Hemus, e, em 1980, na Histórias do Faroeste #7, da Vecchi. Neste país, Ringo marcou igualmente presença com O Juramento de Gettysburg, publicado nos primeiros 16 números da versão local da Tintin.


Intégrale Ringo
William Vance, Jacques Acar, Yves Duval e André-Paul Duchateau (argumento)
William Vance (desenho)
Le Lombard
França, Novembro de 2022
237 x 310 mm, 184 p., cor, capa dura
23,50 €

(imagens disponibilizadas pela Le Lombard ou recolhidas em diversas bases de dados; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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