O preço da honra e o valor da vida
Se
é verdade que o manga é um dos géneros de que mais livros são
editados mensalmente em Portugal, no que à banda desenhada diz
respeito, também é indiscutível que eles representam apenas um
pico mínimo do gigantesco icebergue do que é a produção japonesa.
Entre
os estereótipos que associamos ao género, as narrativas de ninjas e
samurais têm sido muito pouco exploradas no nosso país, sendo
Kenshin,
o
samurai errante
o
exemplo mais significativo.
O
preço da desonra,
uma edição da chancela Ikigai,
do
coletivo editorial A Seita é uma (boa)
exceção recente. E é, simultaneamente, uma forma de dar a conhecer
aos leitores portugueses um dos expoentes do género, o autor Hiroshi
Hirata (1937-2021).
Curiosamente, se esta temática potencia obras de aventura e acção a rodos, a verdade é que esta abordagem de Hirata vai muito mais no sentido da exploração de outra vertente das batalhas: o receio da morte no campo de batalha, a incapacidade de fazer face às situações limite que os combates propiciam, o facilitismo de virar costas em lugar de se deixar matar pelo oponente.
Reacções bem humanas, dirão alguns, com razão, mas que no contexto histórico em que se desenrola a acção e tendo em conta o código de honra do bushido pelo qual se regiam os guerreiros, eram de todo reprováveis e condenáveis. E aqueles que as assumiam, em troca de um valor monetário chorudo, que se obrigavam a pagar mais tarde ao oportunista que os poupava, apesar da salvação momentânea, mantinham a sua vida em risco e, mais do que isso, colocavam em causa a sua honra.
O protagonista deste volumoso O preço da desonra, é um cobrador de dívidas, alguém que meses ou anos mais tarde vem resgatar as promissórias assinadas nos campos de batalha. O problema é que, geralmente, por falta de meios, receio do opróbrio ou face à vida de mentiras levada, essa cobrança, feita ao próprio ou aos seus familiares, se revela complicada.
E se, em determinados momentos, a acção, consubstanciada em confrontos plenos de dinamismo e movimento, acentuado pela mestria no uso de linhas cinéticas de movimento, é a única forma de cumprir o objectivo, a verdade é que Hirata, através do seu traço realista num preto e branco expressivo, privilegia as emoções e os sentimentos e aborda as implicações sociais e familiares numa época em que estas tinham uma importância fundamental, aprofundando assim o lado humano deste relato de contornos históricos, em que destaca o desespero daqueles que um dia, face à morte, escolheram o elevado preço da vida.
O
preço da desonra
Hiroshi
Hirata
A
Seita
Portugal,
Outubro de 2023
155
x 226 mm, 396
p., pb,
capa cartão com badanas
22,99
€
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online de 16 de Novembro de 2023 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas por A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Muito interessante, não sou grande apreciador da maior parte do Manga mas gosto de Ryoichi Ikegami, especialmente dos seus trabalhos em Lone Wolf & Cub, Crying Freeman (para quando numa versão PT?) e Sanctuary, o traço de Hirata é bastante semelhante ao de Ikegami.
ResponderEliminarEste vou comprar.