27/05/2024

Clássicos da Literatura Portugueses em BD - Entrevista com João Miguel Lameiras e Miguel Jorge




Com esta, são já cinco as entrevistas deste blog aos autores dos Clássicos da Literatura Portugueses em BD, a colecção RTP/Levoir em curso.
Hoje, já a seguir, estão as respostas de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge, responsáveis pelos dois volumes da adaptação da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto.
As respostas ao questionário padrão que tem servido de base a estas entrevistas foram enviadas por correio electrónico.


As Leituras do Pedro - A escolha da obra foi tua ou da editora?

João Miguel Lameiras - Foi uma escolha nossa, minha e do Miguel Jorge, dentro da lista de títulos propostos pela Levoir. Por acaso, a editora queria antes que adaptássemos Os Lusíadas, mas nenhum de nós estava especialmente interessado em o fazer, daí termos optado pela Peregrinação, que era um livro que o Miguel queria muito desenhar, devido àqueles ambientes e cenários exóticos.

Miguel Jorge - Inicialmente estávamos encarregues da adaptação de Os Lusíadas, mas a Peregrinação parecia-me mais interessante, já que nenhum desses títulos era exatamente estreante na banda desenhada. Por isso acho que a escolha acabou por ser nossa.



As Leituras do Pedro - E a escolha do desenhador para a ilustrar?

João Miguel Lameiras - Mais uma vez, foi uma escolha conjunta. Depois de termos feito o Amor de Perdição juntos para a anterior colecção Clássicos da Literatura em BD, da Levoir, tínhamos vontade de voltar a colaborar e a editora também tinha interesse em que repetíssemos a parceria. Ou seja, desde que foi decidido fazer uma colecção de clássicos só com autores portugueses, que sabíamos que iríamos voltar a trabalhar juntos.


As Leituras do Pedro - Já conheciam a obra? O que trouxe adaptá-la?

João Miguel Lameiras - Conhecia só a versão em BD do José Ruy, publicada em álbum (não a versão original do Cavaleiro Andante, que é ligeiramente mais extensa e sem balões, de que só conheço meia dúzia de páginas) e o Por este rio Acima, o disco do Fausto inspirado na vida do Fernão Mendes Pinto, mas nunca tinha lido o livro original.

Miguel Jorge - Só conhecia a adaptação do José Ruy. O meu interesse em adaptar a obra era mesmo ter a oportunidade de desenhar uma viagem fantástica pelo mundo daquela época. Para mim esta obra é quase a Volta ao Mundo em 80 Dias no século XVI, mas demorou muito mais tempo e teve muito mais naufrágios. Mesmo muitos naufrágios…

Prancha 1: argumento e prancha finalizada

As Leituras do Pedro - Se a escolha fosse livre, sem limitações, que obra gostavam de adaptar?

João Miguel Lameiras - Gostava de adaptar o Eurico, o Presbítero, do Alexandre Herculano, mas não em 48 páginas. Seriam precisas bastante mais. Dos contemporâneos, que não estão no domínio público, tanto o Memorial do Convento como o Ano da Morte de Ricardo Reis, do Saramago, dariam belas BD (mas não em 48 páginas). E há um conto do Álvaro de Carvalhaes, Os Canibais, que também dava uma bela BD (deu um dos melhores filmes do Manuel de Oliveira).

Miguel Jorge - Confesso que o meu conhecimento de obras literárias nacionais não é muito vasto, mas já tivemos conversas sobre adaptar o Eurico, o Presbítero e pareceu-me uma obra muito interessante e dentro dos meus “gostos”.



As Leituras do Pedro - Como se adapta uma obras destas a BD? Quais as principais dificuldades?
João Miguel Lameiras - A principal dificuldade foi meter em dois volumes de 48 páginas, um livro de mais de 800 páginas com duzentos e vinte e seis capítulos, em que acontecem imensas coisas. É preciso meter o Rossio na rua da Betesga… Um livro tão rico e movimentado como a Peregrinação “merecia” bem uma série de 6 ou 7 álbuns e provavelmente era assim que seria publicada em França, por exemplo.
Miguel Jorge - A maior dificuldade foi sem dúvida a do JML. Eu tive apenas a preocupação de ilustrar da forma mais interessante possível os acontecimentos da narrativa.

As Leituras do Pedro - Como foi o vosso processo de trabalho?
João Miguel Lameiras - Os meus argumentos procuram adaptar-se à forma preferida de trabalhar de cada desenhador. No caso do Miguel, a maioria da planificação das páginas deixo para ele. Ou seja, mando-lhe a página, com algumas indicações cenográficas e os diálogos e caixas de texto. Normalmente, é ele que decide a forma como essa informação é distribuída pela página. Claro que há excepções, no caso em que eu já tenho uma ideia específica para a página, o que acontece sobretudo nas páginas duplas. E aí até faço alguns esboços muito toscos para explicar melhor a minha ideia.
Mas normalmente, vou escrevendo o argumento em blocos de 10 a 15 páginas, que mando ao Miguel e ele faz uns layouts bastante básicos, que servem mais para ver a colocação do texto na página. Discutimos esses layouts e logo aí fazemos alguns acertos. Depois ele manda-me a página desenhada, vejo se há alguma coisa a corrigir e passa para a Inês Lima, que faz a cor e que, diga-se, está a fazer um trabalho fantástico, especialmente no segundo volume.
Mas até o livro ir para a gráfica, hás sempre pequenas alterações, sobretudo a nível do texto, que vai sendo afinado.
Miguel Jorge - Este foi a continuação e evolução do trabalho e na confiança mútua que iniciámos com o Amor de Perdição. A partir do argumento que o João me envia, faço uns esboços muito básicos em cima dos quais faço a legendagem (para ter noção do espaço que estas vão ocupar na página) e começo a finalizar página após uma breve conversa com o João em que lhe explico o que esbocei e lhe digo “Acredita em mim, no fim vai ficar giro!”. Neste livro tive a grande sorte de colaborar com a Inês Lima que fez um trabalho de cor fantástico.
 
Prancha 1: argumento e prancha finalizada

 

As Leituras do Pedro - Que expectativas têm?

João Miguel Lameiras - Até agora, as adaptações que fiz têm sido muito bem recebidas. Espero que a Peregrinação não seja excepção.


As Leituras do Pedro - Qual a importância de uma colecção como esta?

João Miguel Lameiras - Muito importante, tanto por dar oportunidade a autores nacionais de qualidade de fazerem um trabalho de grande visibilidade, como por dar a descobrir clássicos, em alguns casos quase esquecidos, a uma nova geração de leitores, que de outro modo nunca leriam estes livros.

Diria até que, em termos da BD portuguesa, é o projecto editorial mais importante dos

últimos 10 anos.

Miguel Jorge - Acredito que pelo formato vá apelar a um público que de outra forma nunca iria ter contacto com algumas destas obras e isso é sempre algo muito positivo.


(imagens disponibilizadas pela Levoir, Miguel Jorge e João Miguel Lameiras; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente, para saber mais sobre os temas destacados)

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