Nascido como paquete de hotel a 21 de Abril de 1938, Spirou –
palavra que significa esquilo em wallon – tornou-se rapidamente um viajante do
mundo que vive grandes aventuras há 75 anos.
Mas, tão invulgar quanto a sua ocupação inicial foi a sua
génese. Imaginado por Charles Dupuis, patrão da editora com o seu nome, para
mascote de uma revista que ainda hoje se publica e que é um dos últimos
bastiões do jornalismo infanto-juvenil, Spirou seria desenvolvido pelo francês
Rob-Vel, que foi o seu responsável gráfico desde a sua estreia até 2 de
Setembro de 1943.
Durante esse período – pela primeira vez reeditado
integralmente este ano, no soberbo volume documental “Spirou par Rob-Vel”
(Dupuis) - devido à sua mobilização para a II Guerra Mundial, seria substituído
algumas vezes por outros desenhadores, entre os quais a sua esposa Blanche
Dumoulin, também argumentista de muitas das suas aventuras iniciais.
Começando por protagonizar gags de uma página, o Spirou
original, ainda em busca de definição, foi evoluindo sem rumo fixo, consoante
as necessidades de cada episódio: traquina, espertalhão, patriota, fumador,
apreciador de bom vinho, responsável por esquemas de honestidade duvidosa,
cientista, ventríloquo, detective, monarca, astronauta… - embora acabasse por
se tornar no globetrotter aventureiro justo, intrépido e que faz tudo pelos
amigos que hoje conhecemos.
Esta génese fez de Spirou um herói diferente de quase todos
os seus “contemporâneos” franco-belgas, sendo pertença da editora e não do seu
criador. Por isso, ao longo das décadas, foram muitos os nomes que assumiram o
seu destino.
Os mais importantes, sem dúvida, foram Jijé (entre 1943 e
1946, com regressos pontuais em 1949 e 1951) a quem se deve a criação de Fantasio,
um jornalista solidário mas trapalhão e companheiro de aventuras de Spirou, e
Franquin (1946-1968), que fez dele um dos maiores heróis dos quadradinhos pela
equilibrada combinação de humor e aventura assente no seu traço nervoso e
dinâmico, e que introduziu nas suas páginas o fantástico Marsupilami, Zantáfio,
primo de Fantasio e vilão de serviço ou o genial e distraído Conde de
Champignac.
Seguir-se-iam, sem grande rasgo nem génio – e privados do
Marsupilami que Franquin levou consigo quando deixou Spirou – Fournier (até
1979) e Nic Broca e Raoul Cauvin (até 1983). A dupla seguinte seria Tome e
Janry, que devolveram Spirou ao( gosto do)s leitores; a par da série principal,
que assumiram até 1998, criaram também “O pequeno Spirou”, em 1987, uma versão
infantil e endiabrada do herói.
O novo século encontrou-o sob os auspícios de Morvan e
Munuera, com algumas influências gráficas do manga e com uma temática mais
adulta que lhe retirou popularidade.
Actualmente nas mãos de Vehlmann e Yoann, Spirou em anos
recentes foi também protagonista de diversos álbuns auto-conclusivos, muitas
vezes situado fora do seu universo original.
Spirou estreou-se entre nós no Camarada, em Janeiro de 1959,
rebaptizado Serapião; viria a ser igualmente Clarim, surgindo Fantasio como
Flausino. A revista com o seu nome, teve duas vidas, ambas curtas, na década de
1970.
Praticamente todo editado em álbum em português, passou pelos catálogos
da Arcádia, Publica, Meribérica e ASA mas a jóia da coroa é “O Feiticeiro de
Vila Nova de Mil Fungos”, editado pelo Camarada na década de 1960, com capa
feita especialmente para a edição por Franquin.
Para assinalar esta data festiva, a Dupuis, para além da reedição
integral das aventuras de Spirou por Rob-Vel, lançou um número especial da revista
Spirou (no passado dia 17 ) e editou igualmente “La Galerie des Illustres”, um
volume de 400 páginas com Spirou desenhado por 200 desenhadores.
No dia 23 o jornal Le Soir lança um número especial com
todas as imagens da autoria de desenhadores do groom e, no mesmo dia, o Centre
Belge de la Bande Dessinée inaugura a exposição “Spirou de main en main” que
ficará patente até Outubro.
(Versão revista e expandida do texto publicado no Jornal de
Notícias de 21 de Abril de 2013)