François Bourgeon (argumento e desenho)
ASA (Portugal, Outubro de 2009 + Janeiro de 2010)
238 x 320 mm, cor, 88 + 72 p., cor
Os Passageiros do Vento foram uma das mais marcantes sagas em banda desenhada dos anos 1980, que ao longo de cinco tomos, traçaram um notável fresco da vida na Europa e nas colónias na segunda metade do século XVIII, mais do que narrar as aventuras (e desventuras) de Isa, uma jovem mulher emancipada e libertária, muito à frente do seu tempo. Saga essa que terminava de forma completamente aberta, deixando Isa nas Caraíbas.
Um quarto de século depois, François Bourgeon, o seu artesão, decidiu voltar às personagens com que nos fez felizes. E se esta sequela surge dividida em dois tomos, por motivos mediáticos e comerciais – não por acaso, ambos as edições indicam o numeral #6 e em algumas edições, como na espanhola, a numeração das páginas do segundo livro começa onde terminou o primeiro – ela constitui um todo indivisível. Mesmo que uma outra Isa, bisneta da primeira, protagonize as primeiras 50 pranchas, desvendando as outras noventa o destino da sua bisavó, no Luisiana, nas margens do Mississipi, território que haveria de ser norte-americano e de sonho, mas que então era um inferno autêntico, assombrado pela Guerra da Secessão e pelas lutas pela emancipação dos negros.
Porque mais uma vez, Bourgeon, cronista de eleição, aproveita o pretexto para nos pintar de forma crua e realista, com a mestria que lhe é reconhecida, o quotidiano desses tempos conturbados.
Porque se Isa é agora quase centenária e se por Bourgeon passaram vinte e cinco anos, ambos continuam iguais a si próprios. Ela, rebelde, decidida, amante da vida e da liberdade. E contraponto de uma sociedade hesitante, presa a leis obsoletas, derrotada pelos ideais que tentou agrilhoar. Ele, um narrador consistente e eficaz e um desenhador rigoroso na reconstituição histórica, hábil na composição das pranchas e inconfundível na representação de belas mulheres, pese embora o facto de o seu traço estar menos espontâneo, mais preso ao registo fotográfico que lhe serve de base.
Voltada a última página, cerrados os livros, resta a pergunta: precisávamos de saber o que tinha acontecido a Isa depois da última vez que a encontráramos, tantos anos atrás? Francamente, não. Mas ainda bem que Bourgeon nos quis contar o seu destino!
A reter
- Já ficaram explanadas atrás as principais qualidades deste diptíco, mas para que não restem dúvidas, este relato é/será sem dúvida um dos grandes lançamentos editoriais aos quadradinhos em 2010.
Menos conseguido
- São aspectos menores e formais, a que a editora portuguesa é alheia, mas a verdade é que o facto da tradução das frases em crioulo vir agrupada ns páginas finais de cada volume rouba ritmo e atrapalha a leitura bem mais do que se viessem em rodapé nas respectivas pranchas…
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 13 de Fevereiro de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)