24/06/2011

O Porto aos quadradinhos

Rui Ricardo
Se a poesia canta que do Porto “houve nome Portugal”, foi também lá que nasceu o primeiro grande salão nacional dos quadradinhos e, por via dele, muita banda desenhada, rica na sua diversidade, sedutora nas suas ofertas, que tem mostrado a cidade sob diversos prismas gráficos, históricos e ficcionais.
Com uma longa história, não surpreende, por isso, que as primeiras referências à Cidade Invicta nos quadradinhos sejam anacrónicas. Hermínio, herói de Borges e Moreiras, nas suas demandas passou por Portucale onde os valorosos habitantes gritavam “Portucale ainda será uma naçon!”, e Tito e André, com as liberdades que a ficção permite, levaram Tónius, o lusitano - uma espécie de émulo nacional de Astérix - num intervalo dos seus confrontos com os mouros, a provar um precioso néctar, “colheita de 680", retirado de barris encontrados num barco rabelo perto da foz do “rio Durius”, junto a uma (então) pequena povoação.
André
Mas deixando o humor de parte, pode-se afirmar que as visões do Porto aos quadradinhos, sempre com a cidade a servir de palco da narrativa, seguem geralmente dois rumos. O das abordagens históricas, assinadas por autores de traço clássico, e outras, mais modernas e recentes, de tom ficcional.
Um dos exemplos do primeiro aspecto considerado é a “História do Porto em BD”, de Luís Miguel Duarte e José Garcês, lançada quando a cidade foi Capital da Cultura, em 2001, para tornar acessível “a um público diversificado os episódios marcantes da rica história da antiga, mui nobre e sempre leal, invicta cidade do Porto".
José Ruy
Outras abordagens históricas, mais generalistas, incluem geralmente episódios ocorridos no Porto, como as lutas liberais ou as movimentações que levaram à implantação da República, como acontece na “História de Portugal em BD”, de Carmo Reis e José Garcês.
A presença do Porto é maior em “Almeida Garrett e a Cidade Invicta”, em que José Ruy, com a sua técnica personalizada, traça a biografia do grande escritor, realçando a sua ligação à cidade,que retrata com rigor bem como alguns dos seus contemporâneos. O mesmo autor, em “As viagens de Porto BomVento”, tem uma abordagem curiosa em que combina ficção e realidade histórica, para contar o quotidiano de um piloto do Douro, nascido em 1462 e que participou nalgumas das viagens dos Descobrimentos, ao mesmo tempo que retrata o Porto do século XV.
José Ruy
Mais recentemente, Carlos Morgado e Luís Correia colocam algumas das “História e Estórias do ACP” em zonas conhecidas da cidade, mostrando a sede do ACP, o palácio de Cristal ou a emblemática Torre dos Clérigos.
Paulo Jorge
Este mesmo monumento, embora de forma satírica, a cair de velho, surgia num dos folhetos do 1º Salão de BD e do Fanzine do Porto, em 1984, génese do primeiro grande evento regular do género dedicado aos quadradinhos.
Na sua esteira e graças ao impulso que o evento deu também à BD local, surgiram obras como “Jogos Humanos” e “Canção do Bandido”, ambas de Paulo Patrício e Rui Ricardo,com um tom próximo da crónica urbana, em que o Porto era o local de vivência e de experiências de uma juventude agitada e inquieta.
Vítor Almeida
Já “Stad”, resultou do desafio feito a 10 autores nortenhos “para contarem em BD uma das muitas histórias que lhes surgem do convívio diário com o Porto”, passando pelas suas páginas figuras como o cauteleiro, a peixeira, o moina e o engraxador e um prato típico como a francesinha.
Ainda no âmbito do SIBDP, não deixa de ser curiosa a visão traçada no seu diário gráfico por James Kochalka, um autor norte-americano que foi seu convidado, sensível às ruas estreitas, gradeamentos e… belas mulheres e que a Quadrado reproduziu.
Maior conteúdo ficcional encontra-se em “BRK”, de Filipe Pina e Filipe Andrade, que se inicia com um atentado terrorista na baixa do Porto, e, a outro nível, “Uma viagem fantástica”, resposta de Manuel António Pina e Rui Azul ao desafio de uma das empresas que concorreu à adjudicação do metro do Porto, para imaginarem como seria a futura rede de transportes rápidos.
Rui Azul
Com a íntima ligação à cidade por todos (re)conhecida, o F. C. do Porto também teve direito ao seu momento de fama… aos quadradinhos!
Artur Correia
Isso aconteceu na década de 1990, quando o jornalista Manuel Dias e o desenhador Artur Correia juntaram talentos para criar “Era uma vez um Dragão ou a história do Futebol Clube do Porto contada às crianças” (Edições ASA) (a par de “Era uma vez um Leão” e “Era uma vez uma Águia”, dedicadas respectivamente a Sporting e Benfica).
O livro, em tom divertido e com um traço caricatural, traça o percurso portista desde as suas origens no início do século XX, até à conquista da Taça dos Campeões Europeus, em Viena, em 1987, frente ao Bayern de Munique. E onde, como não podia deixar de ser, são reconhecíveis não só os grandes jogadores que passaram pelo clube como também treinadores como Pedroto, Morais e Artur Jorge e, claro, o seu presidente, Pinto da Costa.
Para concluir este passeio pelos quadradinhos que têm o Porto como palco, uma história de Pitanga, publicada no Quadrado, escrita por Arlindo Fagundes e Pedro Sousa Diasleva-nos até à Ponte Luiz I e à Ribeira, para assistir a uma reflexão amarga sobre racismo motivado por reminiscências da guerra colonial e da ditadura, cujo título evoca o hino “oficioso” da cidade: “Quem vem e atravessa o rio…”
Pedro Sousa Dias
Filipe Andrade

Rui Ricardo

Artur Correia

Vítor Borges

José Garcês

Luís Correia

James Kochalka

Rui Ricardo

Rui Ricardo

Referências bibliográficas
Hermínio – Regresso a Portucale
Paulo Moreiras (argumento)
Victor Borges (desenho)
Pedranocharco, 1996

Tónius o lusitano – Uma aventura nas Astúrias
Tito (argumento)
André (desenho)
Editorial Pública, 1981




História do Porto em BD
Luís Miguel Duarte (argumento)
José Garcês (desenho)
Edições ASA, 2001

História de Portugal em BD
(4 álbuns compilados num volume)
Carmo Reis (argumento)
José Garcês (desenho)
Edições ASA, 2005

Almeida Garrett e a Cidade Invicta
José Ruy (argumento e desenho)
Âncora Editora, 1999

As Viagens de Porto Bomvento
(8 álbuns compilados em 2 tomos)
José Ruy
Edições ASA, 2005

História e Estórias do ACP
Carlos Morgado (argumento)
Luís Correia (desenho)
Edição da Revista ACP, 2009




Jogos Humanos
Paulo Patrício (argumento)
Rui Ricardo (desenho)
ASIBDP+Bedeteca de Lisboa, 1999




Canção do Bandido
Paulo Patrício (argumento)
Rui Ricardo (desenho)
Edições Polvo, 2001

STAD
Ágata Moreira, Isabel Carvalho, J.M. Saraiva, Manuel Cruz, Mário Moura,
Paulo Patrício, Pedro Nora, Rui Duarte, Rui Ricardo, Vítor Almeida
ASIBDP+Colectivo alíngua, 2001




BRK tomo 1
Filipe Pina (argumento)
Filipe Andrade (desenho)
Edições ASA, 2009




Uma viagem fantástica
Manuel António Pina (argumento)
Rui Azul (desenho)
Gec Alsthom, 1996

Era uma vez um Dragão ou a história do F. C. do Porto contada às crianças
Manuel Dias (argumento)
Artur Correia (desenho)
Edições ASA, 1992




(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Junho de 2011)

23/06/2011

Ele foi mau para ela

Sem palavras – sem música
Milt Gross (argumento e desenho)
Libri Impressi (Portugal/Espanha, Abril de 2011)
155 x 170 mm, 272 p., pb, cartonado
16 € (14 € se pedido ao editor)

Resumo
Esta é a história de um grande amor entre um caçador e uma cantora de saloon, separados pelos métodos pouco honestos de um vilão sem escrúpulos, numa sociedade movida pelo dinheiro, a avareza e a ganância.
História contada em banda desenhada, num longo romance gráfico, sem palavras, que data de… 1930!

Desenvolvimento
Esta é uma história banal, pode dizer-se sem medo de errar. A história do caçador que socorre a cantora do saloon e se apaixona por ela. Parte depois, em busca de riqueza, aliciado por um sócio ardiloso, que explora o seu trabalho e foge com os lucros. Dizendo-o morto à noiva, casa com ela e partem para a grande cidade. Em sua perseguição, o caçador ultrapassa mil e um perigos até o desenlace final.
Uma história que, com maiores ou menores variações, já foi contada, na literatura e no cinema, em folhetins radiofónicos e até na própria banda desenhada.
Mas, possivelmente, nunca como desta vez, por Milt Gross. Em sequência gráfica narrativa sem palavras. E sem música! O que é mais surpreendente se atendermos a que se trata de uma obra de 1930, quando quase todos os “grandes” quadradinhos davam ou estavam para dar ainda os primeiros passos.
E, atente-se, esta obra, 80 anos depois, é de uma frescura imensa, inovadora na forma e divertida no conteúdo.
Traçada com um desenho nervoso, mais próxima do cartoon do que do estilo realista que em breve imperaria nos EUA, assenta também num registo humorístico que surge variadas vezes ao longo da trama, numa aproximação à comédia muda cinematográfica – “herdeira do cinema de Chaplin”, escreve Nuno Franco na introdução da obra – e do desenho animado iconoclasta que (na sua maior parte) estava para vir. O que não quer dizer que, pontualmente e de forma surpreendente no contexto, Gross não demonstre outras capacidades gráficas nalgumas vinhetas de traço mais realista.
O humor - sempre patente ao longo das pranchas – tem alguns apontamentos geniais, mesmo que por vezes contraste como o momento imediatamente anterior ou posterior.
É o que acontece logo na cena inicial do assédio dos lenhadores à cantora, interrompido com violência por uma faca que crava um braço na parede, que depois desemboca num combate divertido, que estabelece desde logo o tom de comédia do registo e que coloca o protagonista ao nível de um outro herói dos quadradinhos, o marinheiro Popeye, com quem tem diversos pontos de contacto: a grande força, a simplicidade, a ingenuidade, a disponibilidade para ser útil aos outros… Atributos que cativam o leitor e o colocam a torcer por ele.
Outro momento semelhante ao citado, surge quando o vilão declara o caçador morto e leva a cantora à suposta tumba onde ele se encontra (pp. 37-41), vendo o leitor, numa visão mais afastada de conjunto uma cena algo diferente. Na mesma linha, a antecipar um desfecho bastante cruel, depois da sucessiva repetição de uma cena, qual bailado imparável, é o pedido de emprego da cantora na grande firma (pp. 128-153).
De puro génio são também a cena no alfaiate (pp. 89-95), a perseguição no carvão (pp. 123-126), a chegada do herói ao hospital (pp. 189-196) ou o reencontro do vilão com a sua última conquista (pp. 210-219).
A utilização – quase sempre – de uma única imagem por página, inferior à página, em posições diferentes na página – foi a forma encontrada por Gross para marcar o ritmo que mais lhe convinha – quase sempre elevado, diga-se em abono da verdade, o que acentua a proximidade à comédia muda – embora seja plenamente capaz de, em momentos específicos, trocar essa opção por páginas com várias vinhetas que quebram o ritmo e obrigam o leitor a pausar a leitura para apreender tudo o que é transmitido. É dessa forma – simples sem dúvida, mas eficaz – que mostra o estado de espírito da cantora quando a sua paixão parte com o novo sócio na bela página 27 em que predomina o negro.
Aliás, o domínio que Gross demonstra da técnica narrativa é surpreendente, quer ao nível geral da planificação e da utilização de diferentes enquadramentos e pontos de vista, alguns bem arrojados, quer ao nível do pormenor gráfico, como quando recorre a pegadas no chão para mostrar o elevado número de pessoas presentes no saloon onde a cantora actua, logo na prancha inicial, ou quando enche de imagens um balão “musical”, para demonstrar a qualidade das suas capacidades canoras.
Do ponto de vista narrativo realce ainda para a forma como Gross gere a sua história – que poderia ter tido um final antecipado logo na página 86 ou, mais tarde, na página 200 – não fosse o acaso interpor-se em ambos os casos, prendendo o leitor, deixando-o suspenso do momento em que – finalmente – os dois apaixonados se reúnem para sempre.
Á par do “grande romance americano” que narra com mestria, Gross aproveita para traçar um retrato da sociedade norte-americana do início do século passado, onde os grandes espaços (de certa forma ainda) conviviam com a chegada (acelerada) da civilização e da indústria, uma sociedade onde o dinheiro, o lucro, a ganância (já) imperavam, onde um cancro como o vício do jogo já ditava as suas leis e onde muitos – como o vilão da história – rapidamente ascendiam à fama (social) para mais depressa ainda caírem ainda mais fundo do que estavam antes. Mas onde, também, o trabalho era recompensado tal como as boas acções, o esforço permitia subir na vida, os bons (ainda…) ganhavam sempre…

 A reter
- A obra em si. Pela concepção, pelo ritmo, pela forma como está narrada, pelas soluções encontradas, pela forma como transmite emoções, pelo humor… Integralmente.
- A forma como a história prende, obrigando a ler o livro compulsivamente, de um só fôlego. Eu tive o “azar” de o começar a folhear um dia, à 1h43 da madrugada, com as consequências que se adivinham…
- O respeito de Manuel Caldas pela obra original – leia-se a introdução na página VI – em termos de paginação do livro, respeitando as opções de leitura e de ritmo que o criador – conscientemente ou não – fez.
- A qualidade da edição da Libri Impressi. Mais uma vez.

22/06/2011

O amor é um inferno

Matt Groening (argumento e desenho)
Gradiva (Portugal, Julho de 2006)
225 x 225 mm, 48 p., pb, brochado, 9,00 €

Como se escrevia há sensivelmente uma década na revista "Quadrado" #2 (2ª série), quando os Simpsons foram as vedetas do Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto, "para muitos, o nome de Matt Groening é apenas o terceiro a aparecer na ficha técnica da série de animação "The Simpsons", juntamente com Sam Simon e com o conhecido James L. Brooks".
Mas na realidade, se este norte-americano, nascido a 15 de Fevereiro de 1954, em Portland, no Oregon, se iria tornar mundialmente célebre com aquela série animada televisiva, a verdade é que o seu humor corrosivo e sem tabus já se tinha mostrado em "Life in Hell", um cartoon que ele criou em 1977 em páginas fotocopiadas e que começou a vender para jornais em 1980, graças à notoriedade que alcançou, apesar de se mover na cena alternativa.
Foi a partir dele, aliás, que os Simpsons nasceram, diz a anedota, no quarto de hora que Groening esperou para ser recebido na Fox, original-mente com o objectivo de transformar em desenhos animados os protagonistas de "Life in Hell". Mas com medo de perder os direitos sobre as suas criações, Matt Groening remodelou-os graficamente, transformando-os naquela que é hoje, possivelmente, a mais conhecida família da TV.
Inspirado na sua experiência de vida em Los Angeles, cidade que o autor detestava, "Life in Hell" chega agora [em Julho de 2006] às livrarias portuguesas, através do seu primeiro volume - "O amor é um inferno" - no qual Matt Groening, utiliza quer cartoons, (muito) verborreicos ou completamente mudos, quer bandas desenhadas (que podem chegar às 16 vinhetas), igualmente com ou sem texto.
Através deles vai dissecando especial-mente o amor e a vida amorosa, sempre numa perspec-tiva de nos demons-trar que qualquer que seja o caminho para lá chegar, qualquer que seja o momento de lá chegar, qualquer que seja o tempo que lá se esteja, o amor - e todo o tipo de relações a ele associadas - conduz sempre, inexoravelmente, a uma vida de frustrações que se revela um autêntico inferno, do qual não há salvação possível.
Com o evoluir da série, Matt Groening vai-se soltando - quer gráfica, quer tematicamente - utilizando Sheba ou Binky, o casal de coelhos antropomórficos que protagoniza quase todo o livro, a que se juntam, por vezes, entre outros, Bongo, o filho ilegítimo de Binky, ou o próprio Groening, como um coelho com barba, para explorar diversos outros aspectos da vida dos comuns mortais: o sexo, o trabalho, as férias, as crianças, os (malditos) críticos ou a inevitabilidade da morte. Ou seja, tudo aquilo que contribui sobremaneira para infernizar a vida.
O humor desenvolvido em "The Simpsons" está já aqui, são estas as suas origens, embora talvez um pouco mais cru, menos refinado, mas já iconoclasta e irreverente, não convidando ao riso desbocado, mas obrigando a sorrir, mesmo quando o riso pode ser incómodo, por tocar nos nossos pontos sensíveis, quando nos reconhecemos na pele de Sheba ou Binky.
Graficamente, o traço de Matt Groening é rápido, simples e pouco pormenorizado - fundamentalmente ao serviço das ideias que pretende expor - mas especialmente expressivo, e os protagonistas lembram bastante os "futuros" Simpsons, nomeadamente pelos olhos arregalados e salientes e o seu aspecto "feio", quase se podendo escrever que lhes falta apenas a cor amarela para serem seus parentes afastados.

(texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 27 de Agosto de 2006)

21/06/2011

Le Photographe – Tomes 1 e 2


Collection Aire Libre
Emmanuel Guibert (argumento e desenho)
Didier Lefèvre (fotografias)
Frédéric Lemercier (montagem e cor)
Dupuis (Bélgica, Outubro de 2003)
240 x 320 mm, 80 p., cor, cartonado
15,95 €

20/06/2011

As Tiras Clássicas da Turma da Mônica Vol.6

Maurício de Sousa (argumento e desenho)
Panini Comics (Brasil, Dezembro de 2010)
203 x 203 mm, 130 p., pb, capa brochada
8,00 €

Depois de uma espera longa – cerca de um ano – estão de volta às bancas portuguesas As Tiras Clássicas da Turma da Mônica, com o sexto volume que compila histórias publicadas originalmente a partir de meados de 1970.
Digo-o por inferência da actualidade referida nalgumas das tiras e não porque o volume tenha indicação da data – e já agora do local – original de publicação, o que constitui um dos pontos mais negativos da edição. Essas informações – que possivelmente nem seriam assim tão difíceis de obter – seriam uma mais-valia para a edição e ajudariam a contextualizar melhor os primeiros passos nos quadradinhos de Maurício de Sousa e da sua obra na época em que foi criada.
Curiosamente, este tomo abre com uma banda desenhada premonitória, na qual Mônica exige ao criador que dê o seu nome à tira, então ainda intitulada “Cebolinha”…
Premonitórias, também – embora Maurício de Sousa e os seus leitores estivessem longe de o imaginar! - são as 2ª e 3ª tiras da página 26, relativamente ao grande acontecimento relacionado com a Turma nos últimos tempos - o namoro do Cebola e da Mônica - como pode ser comprovado no final deste texto.
Quanto ao restante conteúdo, é o humor típico de Maurício de Sousa, franco, despretensioso, acessível e divertido, brincando com as palavras, o quotidiano, as características das personagens e as situações próprias da Turma da Mônica, a actualidade e as próprias regras da banda desenhada, em que se descobrem os originais de algumas piadas muitas vezes exploradas e reinventadas e as bases de um sucesso hoje por todos reconhecido, que então dava os primeiros passos.
E onde se aprende também quão perigosos eram aqueles tempos, tantas vezes choviam cofres, tantas vezes havia choques... de personagens com árvores! Embora, reconheça-se, o desfecho seja sempre diferente.
O que, curiosamente, já não acontece noutros casos: 3ª tira da página 19/1ª tira da página 25; 1ª tira da página 31/2ª tira da página 120; 3ª tira da página 45/2º tira da página 79, em que apenas o cenário envolvente muda, sendo a situação e a piada exactamente a mesma… Reflexo, sem dúvida, da pressão exercida pela necessidade da publicação diária.
Graficamente – e até comparando com os volumes anteriores – veja-se como o Cebolinha, a Mônica e o Cascão vão evoluindo, a caminho da imagem que hoje lhes (re)conhecemos, e, também, como Maurício (já) geria bem o espaço, reduzindo ao mínimo os pormenores de cenário ou os adereços, para evitar distrair o leitor do essencial, aprimorando a legibilidade imediata das imagens e a eficácia dos gags, muitas vezes mudos.

19/06/2011

CBD 2011 (I)

1ªs Conferências de Banda Desenhada
Direcção: Pedro Vieira de Moura
Organização: Wake Up!
Local: Instituto Francês em Portugal
Data: 22 e 23 de Setembro de 2011
Patrocínio Institucional: Instituto Francês em Portugal
Apoio: ESAP-Guimarães, IPCA, Bedeteca de Lisboa/Rede Municipal de Bibliotecas de Lisboa, Bedeteca de Beja, CNDBI/Câmara Municipal da Amadora, Ar.Co

A CBD, procurando responder aos desafios cada vez mais prementes de uma investigação consolidada em torno da banda desenhada e de outras áreas que lhe estão intrinsecamente associadas (a ilustração, a caricatura, o cartoon editorial, etc.), que se nota de forma mais ou menos descentrada em vários centros de investigação no país, vem constituir-se como fórum de encontro e troca de perspectivas sobre essa mesma área.
O seu objectivo é reunir, numa série de apresentações organizadas e públicas, quer os vários investigadores que têm dedicado tempo útil a estas áreas quer novos intervenientes que possam contribuir com novas perspectivas e atitudes sobre as mesmas. A banda desenhada, a ilustração, a caricatura, são modos de expressão e formas de arte tão dignas como todas as outras socialmente reconhecidas, e merecem uma abordagem e reflexão de contornos académicos, intelectuais, de profunda e acertada pertinência. A CBD pretende abrir um espaço em que se torne realidade esse ponto, a um só tempo, de encontro e de partida.
Estão abertas as inscrições a todos aqueles que desejem apresentar uma comunicação em torno destes objectos artísticos. Não há quaisquer restrições de tipo académico, sendo possível a qualquer pessoa, independentemente do seu grau académico, apresentar a sua proposta, assim como de qualquer área (história, sociologia, estética, estudos literários e/ou artísticos, estudos culturais, feministas, semióticos, pós-coloniais, etc.). Os temas são totalmente livres, não se fazendo qualquer restrição, ainda que seja desejável procurar uma maior incidência em matérias relacionadas com a produção portuguesa ou de expressão portuguesa. As regras específicas da participação encontram-se mais adiante.
Todas as propostas serão lidas por uma Comissão de Apreciação, cuja constituição se indica abaixo.
A Comissão reserva-se ao direito de declinar propostas, no caso de estas não cumprirem regras mínimas de clareza, pertinência e metodologia na abordagem dos temas propostos, à semelhança do procedimento habitual na selecção de comunicações para qualquer congresso ou conferência. No caso das propostas aceites, os autores deverão fazer a sua inscrição completa, preenchendo uma ficha própria electrónica (a providenciar após selecção).

Regras de participação
1. As propostas devem ser apresentadas num documento Word (extensão .doc ou equivalentes), de uma página, com um breve resumo do tema e/ou investigação a apresentar (num máximo de 1000 palavras), assim como da bibliografia, quer primária quer secundária.
2. Todas as propostas deverão ser enviadas até 1 de Julho de 2011 para o seguinte endereço electrónico: bd@wakeup.com.pt. O processo de selecção será feito no espaço de duas semanas.
3. Após o processo de apreciação e publicitação dos resultados (com aviso aos participantes), as comunicações aprovadas deverão ser enviadas numa versão completa e publicável (para publicação das Actas), até dia 1 de Setembro de 2011. Atenção: a não-entrega destes textos poderá implicar a eliminação do painel de apresentações públicas.
4. Todas as comunicações devem ser elaboradas num quadro de apresentação pública de 15 a 20 minutos, não sendo necessário que a apresentação se cinja à leitura da comunicação escrita. As versões escritas podem conter anexos textuais e/ou de imagem adicionais à apresentação pública, devendo os participantes comunicar à organização quaisquer necessidades técnicas especiais com antecedência (contemplar-se-á equipamento para projecção de imagens, PowerPoints, DVDs, ficheiros sonoros, entre outros).
5. As sessões de apresentação e discussão públicas terão lugar durante a CBD 2011, no Instituto França em Portugal, nos dias 22 e 23 de Setembro. Outros pormenores da sua organização serão divulgados atempadamente.
6. Após as sessões de apresentação e discussão públicas, os autores terão até dia 28 de Outubro de 2011 para proceder a quaisquer alterações que desejem nas suas versões a publicar no livro de actas (caso contrário, será publicada a versão entregue anteriormente).
7. Prevê-se a edição de todas as comunicações nas Actas da CBDP até início de 2012 (pormenores em relação a esta edição serão divulgados atempadamente).

Comissão de Apreciação
Professora Doutora Maria Cristina Álvares, docente na Universidade do Minho, nvestigadora de Literatura Francesa.
Dr. João Paiva Boléo, Director da Biblioteca do Centro de Estudos Fiscais, investigador da história da banda desenhada portuguesa e editor e comissário de variadíssimos projectos em Portugal relacionados com a banda desenhada .
Pintor Fernando Brito, artista plástico e autor de banda desenhada.
Mestre Sara Figueiredo Costa, de Estudos Filológicos, crítica literária e de banda desenhada, e investigadora de banda desenhada e ilustração.
Mestre Alexandra Dias, Doutoranda em Literaturas e culturas românicas - variante de estética literária, com uma tese de Mestrado sobre a transposição intersemiótica em banda desenhada, e docente na Universidade do Porto.
Mestre Pedro Vieira de Moura, candidato a Doutoramento em Literatura Comparada, crítico, professor e investigador de banda desenhada, com vários projectos em torno dessa arte.

(Texto da responsabilidade da organização)

18/06/2011

Canivete Esquisito na Mundo Fantasma

Data: 18 de Junho a 10 de Julho de 2011Local: Galeria Mundo Fantasma, loja 510, Centro Comercial Brasília, Porto
Horário: de 2ª a sábado, das 10h às 20h: Domingos e feriados, das 15h às 19h

Abre hoje ao público, pelas 17H00, a exposição CANIVETE ESQUISITO no extraordinário equilíbrio dos Finalistas do Curso de Licencuiatura em Artes/Banda Desenhada/Ilustração da Escola Superior Artística do Porto – Guimarães, com a presença dos autores.
Mariana Teixeira (Porto, 1988), Rui Teixeira (Vila Nova de Gaia, 1987), Adriano Silva (Paços de Ferreira, 1990)
Pedro Costa, (Vila Nova de Gaia, 1983), David Dias (Paços de Ferreira, 1990), Fábio Moura (Paços de Ferreira, 1989)
Hugo Silva (Póvoa de Varzim, 1990), Vânia de Magalhães (Lisboa, 1989), Cláudia Loureiro (Aveiro, 1989)
Pedro Barros (Coimbra, 1988), Diana Carvalho (Porto, 1990)
Cada um de nós, autores dos trabalhos aqui expostos, é uma peça de um canivete que se decidiu chamar esquisito para melhor ilustrar o todo heterogéneo que se compôs das nossas singularidades.
A forte convivência durante os três anos do curso aproximou-nos e muitas foram as descobertas que fizemos em conjunto, mas chegados a este ponto, sentimos que está na altura de seguirmos a nossa própria direcção.
Assim como apenas do conhecimento e exploração de cada peça por si mesma se faz justiça ao canivete.
A individualidade pode fazer de nós autores, mas é em colectivo que atingimos um perfeito equilíbrio.

Mudar de Pele
É sempre curioso ver uma exposição de finalistas, seja de que curso for. É um pouco como encontrar uma pele de cobra na estrada, quando se é criança, ou se habita na cidade. A estranheza do achado leva-nos a permanecer ali um bom bocado, de cócoras, pensativos. Depois erguemo-nos e mais pensativos ainda olhamos em redor, imaginando o paradeiro da cobra e a sua nova pele. Como será ela? Terá novas cores, certamente…
Lembro-me de ficar extremamente ansioso enquanto estudante, quando pensava no meu futuro. Matriculei-me em Design de Comunicação (artes gráficas) e cedo percebi que não me interessava muito trabalhar nessa área, fugindo todo o meu interesse para aquilo que na altura seria mais um vício do que uma actividade séria ou viável, a banda desenhada. Ora se as oportunidades de trabalho para um designer na altura já não eram famosas, quanto mais para um autor de bd, ainda por cima medíocre, pensava eu.
Acabei o curso e a solução mais lógica, simples, racional, inclusivamente aconselhada por familiares e amigos, foi a que tomei, a de ir dar aulas para o ensino básico. Um emprego que me permitia ter algum tempo para me dedicar ao meu “vício”, pois que era disso que se tratava. Vivi durante dois anos no Ribatejo profundo, num isolamento quase total, em que as únicas pessoas que via durante a semana eram os alunos na escola, e alguns colegas menos furtivos com quem por vezes me cruzava, nos corredores. Nestas condições naturalmente intensifiquei o meu fascínio pela banda desenhada, que funcionava como um escape para uma realidade tremendamente monótona (e até repressiva, sob vários aspectos que não importa agora referir). Passava o tempo nas aulas desejoso de regressar a casa e desenhar. Praticamente todos os fins-de-semana ia a Lisboa com o exclusivo propósito de comprar mais livros. Assim gastava parte substancial do meu ordenado, só para me sentir vivo.
Ao fim desses dois anos despedi-me, voltei ao Porto e envolvi-me com o máximo de pessoas que partilhavam do meu interesse pelo médium, e com as quais me identificava em vários níveis. Voltei a viver de forma algo precária, fazendo biscates para poder estar junto das pessoas com quem queria trabalhar, em inúmeros projectos artísticos\editoriais. Como é óbvio nenhum deles deu algum dinheiro, mas recebia sempre uma enorme satisfação pessoal, e aos poucos sentia que ia evoluindo enquanto autor, tornando-me mais versátil, experiente, descobrindo a minha voz…
Ao mesmo tempo as pessoas em geral iam reparando na insistência com que nós apresentávamos trabalho, na nossa perseverança. Quanto mais não fosse, só por causa disso começámos a ficar mais conhecidos, no meio e não só, o que abriu imensas portas, alimentando o nosso entusiasmo...
Conclusão: Hoje sei que não vale a pena dar conselhos a ninguém, nem tão pouco fazer grandes planos. E também sei que ninguém foge por muito tempo à sua natureza. Sorte é o que vos desejo a todos.
Um grande abraço, (e não voltem a chamar-me professor!)
Marco Mendes

(Texto da responsabilidade da organização)
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