Sozinho na multidão
A solidão das grandes cidades e os encontros e desencontros
que a vida proporciona - ou que nós nos proporcionamos na vida… - são os temas
centrais deste melancólico e chuvoso jardim de
inverno.
É a história de Sam - um Sam como tantos outros, com tantos
outros nomes, que existem por toda a parte em cidades (com ou) sem nome como
esta - barman de ocupação e solitário a tempo inteiro.
Solitário apesar dos músicos amigos que tocam no bar onde
trabalha - mas que nunca ouviu porque “a ideia de ficar a divertir-me no local
de trabalho não entusiasma…”.
Solitário apesar da relação que mantém com a bela Lili -
solitária também ela, apesar da sua capacidade de perseguir os sonhos em que
acredita.
Solitário porque busca em momentos fugidios o
companheirismo, a interacção, o contacto, a partilha de que geralmente foge.
Solitário porque os pais não são mais que uma memória de
quem se refugia.
Solitário porque tem medo de perder o (nada) que a solidão
lhe traz, porque tem medo das implicações que a companhia pode trazer.
Solidão que começa a mudar - que começa a ponderar mudar,
mesmo sem o saber - no dia em que uma infiltração de água vinda do apartamento
de cima o obriga a contactar o vizinho, mais um solitário, só e marcado pelo
tempo e pela vida, que o vai confundir com o filho e levar - forçar? - a abrir
portas que considerava fechadas para sempre.
O argumento triste e melancólico de Renaud Dillies, é o
retrato pungente de uma realidade que todos (re)conhecemos - mesmo quando na
sua história - cinzenta - marcada por tons cinzentos e frios - e impessoais,
irrompe um raio de sol e inesperados tons de verde (alegria, esperança) tão
inesperados quanto o que, a par de Sam, o leitor vai descobrir - maravilhado.
É tudo isto - e o mais que esta minha leitura de jardim de inverno não mostra - que
Grazia La Padula passou para o papel, com um traço fino que, não sendo bonito
nem chamativo é servido por belíssimas e ajustadas cores e se mostra ideal para
contar esta história. E é com ele que (nos) transmite toda a carga emocional
que impregna o relato, fazendo de um livro fora das habituais classificações de
estilo ou de género, uma leitura delicada e cativante, tocante e forte.
jardim de inverno
Renaud Dillies (argumento)
Grazia La Padula (desenho)
Kingpin Books
Portugal, Março de 2017
203 x 278 mm, 64 p., cor, capa dura
16,20 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
Um dos bons álbuns que li este ano de 2017. Excelente oportunidade para apreciar o que de melhor oferece a nona arte.
ResponderEliminar