Fascinados sem
interesse
O que têm em comum uma banda desenhada sobre produção de
vinho e a criação de BD e outra sobre a participação de espanhóis na II Guerra
Mundial? Que é como quem diz: que têm em comum Os Ignorantes e Os Trilhos do Acaso?
A resposta é bem simples: a capacidade de os autores
seduzirem completamente o leitor com uma magnífica obra sobre temáticas que, a priori, (nos) interessam pouco ou
nada.
Tal como Davodeau noutras alturas - como no soberbo Cher pays de notre infance - Paco
Roca já o havia feito, por exemplo, em O Inverno do Desenhador, sobre a
situação dos artistas espanhóis na década de 1960, e volta a fazê-lo agora. Com
mais força, possivelmente, porque a temática é mais universal, mas também
porque a abordagem é (ainda) mais humana.
Baseado nas memórias de Miguel Ruiz, um dos últimos
espanhóis vivos (à altura da preparação deste livro) que participaram na
libertação da França, ocupada pela Alemanha nazi, Roca constrói um relato
profundamente tocante, centrado nas dificuldades e nas carências que passaram
milhares de patriotas espanhóis ao longo de quase uma década, obrigados a fugir
da sua terra natal por terem participado na Guerra Civil espanhola do lado
contrário aos vencedores, forçados - pelas circunstâncias, mas não só - a
combaterem numa guerra que não era sua, mas que com eles levaram o sonho - a
utopia? - de uma Espanha - uma Europa? - livre de ditadores e ditaduras. Sonho
que os guiou, os alentou, os manteve vivos, os fez ultrapassarem-se.
A narrativa de Roca vai alternando entre a longa
conversa/entrevista ao sobrevivente com a ilustração dos factos que ele vai
narrando. Com diferenciação gráfica entre um e outro - e a presença do autor
naquelas páginas - esta opção serve não só para atenuar a inevitável mas
diluída carga histórica e/ou um registo de alguma forma excessivamente
documental, para reforçar a vertente humanista do relato e também para contar
duas histórias ao mesmo tempo.
A pessoal, de Miguel - e de muitos dos seus companheiros -
com todas as implicações passadas e actuais, que só ao longo das páginas vamos
descobrindo e percebendo, conforme o próprio Miguel finalmente aceita muito do
que lhe aconteceu e a importância que a sua vida teve - para si mas também para
muitos outros - até ao desfecho que
desvenda o mistério que se estende ao longo das mais de três centenas de
páginas desta narrativa.
E a global, com a história da formação e dos feitos da famosa
companhia El Nueve, formada quase
exclusivamente por ex-combatentes da Guerra Civil espanhola, e (uma parte
importante d)a História da própria II Guerra Mundial em si.
Ambas, no entanto, sob o signo do ser humano, daquilo que o
move e motiva, dos seus muitos sonhos - e dos desencantos que eles (quase) sempre
proporcionam, da sua capacidade de lutar pela vida - ou de deixar de fazê-lo…
Os Trilhos do Acaso, partes 1 e 2
Paco Roca
Levoir/ Público
Portugal, 15 e 22 de Setembro
170 x 240 mm, 160 p., cor, capa dura
9,99 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
Na sargeta da história encontram-se heróis esquecidos, que com eles levaram para o túmulo as suas vivências. Paco Roca soube resgatar uma “memória” esquecida e presentear-nos com mais um álbum cheio de qualidades. Roca é um excelente narrador, capta as emoções e constrói uma história magnífica.
ResponderEliminarÉ difícil escrever para enaltecer uma obra com tanta quantidade de nuances, pausas emocionais, voltas emocionais, e qualidade aliada. Apenas refiro a curiosa inversão do esquema tradicionalmente usado para os flashbacks, onde as conversas entre o autor e a personagem principal (Miguel Ruiz) são a preto e branco e as recordações do antigo combatente a cores
Livro que capta e convida à reflexão……é um convite para não parar de sonhar…..lutar pelos seus sonhos…….valores e pela liberdade
Essencial nas prateleiras de qualquer pessoa minimamente interessada e atenta àquilo que a rodeia.
Pedro Ferreira,
ResponderEliminarMais uma vez obrigado pela partilha.
Esta obra é sem dúvida um dos grandes títulos desta colecção.
Boas leituras!