Confiança
Uma das coisas boas que o actual
momento editorial trouxe, foi fazer com que os leitores voltassem a
ganhar confiança nas editoras, acreditando que quando começam uma
série, ela terá (quase sempre) continuidade.
[Escrevi ‘quase sempre’, porque há
imponderáveis de vária ordem que podem ocorrer e impedir essa
continuidade - o primeiro e mais importante dos quais, a não adesão
dos leitores à proposta editorial em causa.]
No caso de Duke, o mais recente
western de Hermann, isso não parece ter acontecido e, assim, poucos
- pouquíssimos! - meses depois do primeiro volume - inteligentemente
- editado a propósito da presença do veterano autor franco-belga na
Comic Con Portugal 2017, temos já disponível o segundo tomo, Aquele
que mata.
Se reconheço valor e interesse a
muitas das (muitas) obras que Hermann nos proporcionou ao longo de
décadas, como um dos grandes nomes da BD francófona, quando ele é
citado, à minha mente ocorre sempre aquela que foi, no momento da
sua leitura (adolescente) a obra que mais me marcou: Comanche.
Por isso, o seu regresso ao western - com Old
Pa Anderson como com este Duke - é sempre especial
para mim, talvez nostálgico do que encontrei há quase quatro
décadas - e reli vezes sem conta desde então.
Duke é diferente de Comanche,
claro. As indefinições são maiores, as personagens ostentam mais
zonas nebulosas, a barreira entre bons e maus é mais ténue e
difusa… A época - sendo a mesma - continua sombria e violenta.
Mais violenta, atrevo-me a escrever, porque, mudados os tempos,
Hermann - agora com Yves H., então com Greg - pode mostrar e
(também) sugerir muito mais do que fazia na época da pré-publicação
nas páginas delicodoces da revista Tintin.
Graficamente, Hermann também mudou.
Trinta ou quarenta anos de intervalo consagraram-no (justamente) como
um dos melhores desenhadores que a banda desenhada já conheceu. É
verdade que o seu traço já não tem o pormenor e, aqui e ali, a
precisão, de obras (mesmo) recentes anteriores. A idade - perto de
8o anos - pesa, mas é bem compensada pela sua experiência, pela sua
mestria. Duke - mais do que foi Comanche - é mais um
belo exemplo do que deve ser uma composição dinâmica das pranchas
ao serviço da narrativa e, mais ainda, da boa utilização da cor,
das sombras e dos jogos de luz, para definir ambientes, cenários,
espaços temporais, sem necessidade de quaisquer palavras.
Aquele que mata, arranca dois
anos depois de A Lama e o Sangue. Duke e Peg continuam em
Pueblo, no Colorado, mas ambos sabem, por muito que se queiram
iludir, que o regresso do pistoleiro a Ogden será só uma questão
de tempo, mais do que de motivação. Seja pelo irmão que deixou - e
a esposa deste com quem parece ter uma relação ambiguamente próxima
-, seja pelo respeito que, apesar de tudo, deve ao xerife Sharp, seja
pelas contas que tem a ajustar com o todo-poderoso Mullins, senhor de
meia cidade. Seja, supostamente, pela vontade de conseguir os meios
monetários para cumprir o sonho de Peg.
Desta vez, a acção é espoletada por
um violento assalto a uma diligência, de que todos os passageiros
foram mortos com excepção de uma menina. A perseguição ao bando,
em troco de uma recompensa choruda, vai levar Duke de volta ao seu
passado, ao seu primeiro grande amor juvenil e a descobrir, mais uma
vez, que ter uma arma nas mãos, sendo o melhor que sabe fazer, é
sempre mais um passo em frente para o seu próprio abismo pessoal.
Obra madura e consistente, Duke, apesar
de poder ser lido apenas como um bom western, deixa também uma
mensagem de profunda desilusão em relação ao ser humano, coerente
com o que Hermann tantas vezes professou, o que faz dele, embora
criado a quatro mãos, uma obra pessoal
Duke
#1 A Lama e o sangue
#2 Aquele que Mata
Yves H. (argumento)
Hermann (desenho e cor)
Arte de Autor
Portugal, Outubro de 2017/Maio de
2018
230 x 300 mm, 56 p., cor, capa
dura
15,00 €
(imagens disponibilizadas pela editora;
clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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