Lançado pela Polvo no final de Abril último, para aproveitar a presença do seu desenhador, Bruno Brindisi, na 6.ª Mostra do Clube Tex Portugal, na Anadia, Os Predadores do Deserto tem uma particularidade que o liga à obra de um dos nomes maiores da banda desenhada, como podem descobrir a seguir, no texto que escrevi como introdução à edição portuguesa.
Publicado inicialmente em Junho de 2002, Os
Predadores do Deserto, décimo-sexto
livro da colecção Albo Speciale
(também conhecidos como Texone,
os Tex Gigante
brasileiros) este é um álbum diferente de Tex.
"São todos diferentes", dirão alguns,
mas este destaca-se pela sua construção narrativa.
Escrito por Claudio Nizzi - como quase todos
naquela colecção durante bastante tempo - segue de perto - tão de
perto quanto possível, sendo conhecidas as substanciais diferenças
entre o deserto e o oceano - e de forma assumida, a estrutura
narrativa de A Balada do Mar Salgado,
a mítica aventura de 1967 que
assinala a estreia de Corto Maltese, o alter-ego de Hugo Pratt, numa
obra que é claramente uma homenagem a este autor.
Vejamos então alguns dos seus pontos de contacto.
A obra original, abre com Corto a vogar ao sabor
das ondas, amarrado numa jangada, algures no meio do oceano. Neste
álbum, é Kit Willer quem jaz inanimado, ao sol, em pleno deserto,
ante a ameaça latente de abutres que esvoaçam por cima dele. Num
caso e noutro são encontrados por um barbudo mal-encarado, o
malévolo Rasputine na obra de Pratt, a quem Bruno Brindisi foi
buscar as feições e a compleição para o seu Monkey. Se o
refugiado de origem russa se haveria de revelar um multi-facetado
ladrão e assassino, com uma estranha relação de quase amor/ódio
por Corto, com quem se reencontraria ao longo dos tempos, umas vezes
como adversário fidagal, outras como aliado temporário, o vilão de
Nizzi e Brindisi, mais transparente e uni-dimensional,
inevitavelmente terá menos sorte com Tex. Em ambos os casos, os
(pseudo) salvadores - movidos pelo interesse, não pela humanidade ou
razões altruístas - levarão os resgatados - presos - para a sua
base.
Um e outro têm
como mentor e líder um fugitivo da justiça, com um segredo no
passado que terá influência no desenvolvimento da acção futura,
que domina pelo terror e defende objectivos interesseiros: o Monge em
Corto, o Pregador em Tex. As referências religiosas não são vãs,
pretendem vincar o domínio - com um toque de sobrenatural? - que um
e outro exercem sobre os seus comandados, a submissão e obediência
quase de corpo e espírito que um e outro exigem.
Mais uma vez,
tal como em A
Balada do Mar Salgado,
o cativo Kit Willer receberá uma companhia feminina. Se as mulheres
eram omnipresentes em Corto, um romântico incurável, a sua presença
- sempre mais anódina do que alguns leitores desejariam - é menos
habitual nas aventuras do ranger - pelo menos nas aventuras da época
deste Os
Predadores do Deserto,
pois os últimos anos têm assistido a uma evolução - contida e
compassada - nesta área.
Dessa forma, a
memorável Pandora leva grande avanço no impacto que provoca em
Corto e na imagem perene que deixou na mente dos seus leitores,
enquanto que Liza - embora tendo também assinalável protagonismo -
será mais facilmente esquecida. Isso não contraria o facto que esta
última - tal como Pandora... - não se torne um alvo da cobiça e da
luxúria masculina e, por isso, decisiva no rumo que o relato acabará
por tomar.
Poderia
continuar neste rumo, indicando outros similitudes entre A
balada... e
Os
Predadores... mas
será bom que os deixe para serem descobertos pelos leitores.
No
entanto, apesar da sua construção, esta não é uma aventura
texiana que fuja aos habituais padrões que Gianluigi Bonelli,
primeiro, e os seus sucessores foram cultivando ao longo de mais de
sete décadas. Nela, a procura de um bando de ladrões e assassinos
junta-se à busca por Kit, levando Tex e os seus pards a atravessarem
pradarias e desertos, num afã misto de detective e de cão de caça,
até ao sempre inevitável confronto, onde as surpresas serão
desfeitas e as dúvidas esclarecidas. Pelo caminho encontraremos
foras-da-lei e índios, acompanharemos confrontos e perseguições,
assistiremos a surpresas e tiroteios. Tudo aquilo que é de esperar
de um bom western tradicional.
Aproveitando
a base de que partiu, Nizzi aproveita para dividir o protagonismo
deste relato pelos quatro pards habituais, sozinhos e/ou em grupo
reduzido, não se abstendo mesmo de, muitas vezes, fazer avançar a
acção na sua ausência, através do acompanhamento de outros dos
intervenientes, como forma de manter o leitor a par - de forma
alargada e privilegiada até - dos acontecimentos que vão tendo
lugar em diversos locais, permitindo-lhe antever - antes do habitual
protagonista - as diferentes motivações que movem os fora-da-lei ou
a forma como uns e outros acabarão por se encontrar.
Bruno
Brindisi, que nasceu em Salerno, Itália, em 1964, foi o desenhador
escolhido por Sergio Bonelli para este Albo
Speciale,
para trilhar um caminho onde já tinham brilhado grandes nomes da
banda desenhada como Guido Buzelli, José Ortiz, Jordi Bernet,
Alfonso Font ou Joe Kubert. Ou, depois dele, Pasquale Frisenda,
Massimo Rotundo ou Enrique Breccia, como a Polvo já nos permitiu
comprovar.
'Descoberto'
entre a 'prata da casa' Bonelli, Brindisi teve aqui o seu primeiro (e
grande) desafio em Tex, sendo obrigado a mudar-se dos ambientes
citadinos de Dylan Dog, Nick Raider ou Martin Mystère, para o Velho
Oeste Selvagem. Embora claramente mais à vontade em espaços
fechados onde pode dar largas à sua técnica de preto e branco,
baseada em jogos contrastados de luz e sombras, recriou com bastante
credibilidade os vastos abertos do deserto e, com bastante distinção,
ultrapassou aquele que é recorrentemente um dos maiores obstáculos
para quem se inicia em Tex (ou em qualquer outro western): o desenho
dos cavalos.
Em
termos de planificação Brindisi 'foge' com frequência à mais
rígida grelha de 2 x 3 vinhetas, com casas de maior dimensão
horizontais mas também verticais, que ajudam a ritmar a leitura e
conferem ao leitor uma visão mais alargada sob o campo onde decorre
a acção.
Desta
forma, sem se aterem à homenagem que lhes serviu de base, Nizzi e
Brindisi oferecem aos leitores um western consistente, na linha das
grandes produções cinematográficas e das míticas séries de BD
que fizeram deste um género de eleição.
Tex:
Os predadores do deserto
Colecção
Tex
Romance Gráfico #6
Claudio
Nizzi (argumento)
Bruno
Brindisi (desenho)
Polvo
Portugal,
Abril
de
2019
245
x 185
mm,
232
p.,
pb,
capa mole
com badanas
16,99
€
Sem comentários:
Enviar um comentário