Em
Outubro de 1998, estreava
nas bancas italianas uma nova revista da Sergio Bonelli Editore:
Julia.
Esta edição brasileira, datada de Outubro do ano passado, pese
embora as distorções de calendário que a afirmação a seguir
implica, assinala os 20 anos de vida editorial da criminóloga de
Garden City.
Porque
é uma senhora e porque é costume dizê-lo, apetece escrever que
Julia está na mesma. Sendo verdade, também não o é.
E
não é porque 20 anos depois, mais de centena e meia de edições
passadas, Julia amadureceu. É mais ponderada, resiste melhor aos
golpes do destino, está mais aberta e menos receosa de amores
ocasionais, gere melhor as suas frustrações...
Mas
a verdade é que continua a mesma, acima de tudo continua humana. Com
sonhos e pesadelos, medos e angústias, desejos recalcados e ambições
reprimidas. As
emoções continuam a sobrepôr-se à razão, as razões são mais
importantes que as acções, em situações limite - que vive com
maior frequência - esquece o bom senso
- dando apelo à voz da sobrevivência.
Os
amigos continuam a ser o principal e o fundamental da sua vida, os
seus afectos continuam a ser distribuídos e qualquer apelo dos que
ama transforma a mulher ponderada e sensata, em alguém determinado e
concentrada nesse único objectivo. Por
isso, assume ‘papéis de
risco’
inesperados,
como
o de jogadora de póquer em Aposta
no escuro,
o segundo relato deste número duplo.

Em
mostrar razões - como as que já citei atrás - que não
desculpabilizam mas explicam - ajudam a explicar, ajudam a entender.
Não tornam os perpetradores inocentes, mas apontam a sociedade -
fria e indiferente, gerida em função do lucro - como
co-responsável.
É
verdade que, aqui e ali, há notas dissonantes, pormenores que não
encaixam bem no registo sério e realista das Aventuras
de uma criminóloga.
É o caso de algumas situações levadas
demasiado longe,
entre o cómico e o absurdo, geralmente desencadeadas por Emily, que
até podem ser aceitáveis num contexto mais lato e
como forma de descompressão, de alívio pontual.
O que já não acontece - para regressar à edição que justifica
este texto - com o ‘carrinho falante’ que acompanha Julia na já
citada A
Guerra de Peter,
que
até podendo ser uma antevisão de um futuro mais ou menos próximo,
assume um lado excessivamente caricatural em contraste com o tom
sério da colecção.
Aspectos
menores - quero frisar - de uma obra global que se distingue por uma
grande coerência narrativa. Em
Julia,
ao longo destes 20 anos, há
uma sólida caracterização das personagens que as tornam quase
‘velhos conhecidos’ dos leitores regulares, que sabem sempre o
que esperar de Julia, Leo, Alan, Irving e alguns outros em cada
momento, em
cada situação. Conhecem as suas fraquezas e as suas forças, sabem
que juntos são sempre mais fortes que em conjunto, conseguem mais do
que isolados, mesmo não sendo super-heróis. E que, embora ‘heróis
de papel’, estão mais distantes deles do que dos seres humanos
normais que vibram com estes relatos da crimióloga com cara e corpo
de Audrey
Hepburn, pelas qualidades e defeitos, sucessos e limitações que
ostentam, tal como cada um de nós.
Nos
20 anos tout
court de
Julia, nos 15 da sua vida editorial no Brasil e em (quase?) outros
tantos que levo de leitor, não posso deixar de recomendar a leitura
de uma das séries que me
tem
marcado positivamente e
feito
parte das minhas escolhas
seguras enquanto leitor.
J. Kendall #136
Aventuras de uma criminóloga
Myhtos Editora
Brasil, Setembro/Outubro de 2018
135 x 180 mm, 260 p., pb, capa
mole, mensal
R$ 24,90 / 8,00 €
A guerra de Peter
Berardi e Calza (argumento)
Valerio Piccioni (desenho)
Aposta no escuro
Berardi e Mantero (argumento)
Antonio Marinetti (desenho)
(clicar
nas imagens para as apreciar em toda a sua extensão)
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