O ponto de partida é uma citação de E tudo o vento levou, o romance de Margaret Mitchell que o cinema tornou célebre, mas a história deste tríptico que agora começa baseia-se nas memórias de uma velha senhora, cuja família é proveniente das plantações de New Orleans.
A
história começa em 1961 quando, as netas da narradora, empurradas
pela leitura do livro atrás citado, decidem pedir à avó que lhes
conte a história da sua família.
Muito
idosa, ainda atormentada por um passado que (não) viveu (totalmente)
mas cujo conhecimento a envergonha, começa por negar, mas mais
tarde
decide confidenciar tudo a Hazel, a criada negra que há muito a
acompanha e que já considera mais amiga do que uma empregada.
A
narrativa recua então mais de um século, para os primeiros anos do
século XIX, quando o seu bisavô Augustin começou a ocupar-se de
uma plantação no Luisiana, com a sua mulher e a sua filha. E,
claro, muitos trabalhadores escravos.
Chegado
a este ponto, sem querer desvendar mais da essência do relato, há
que reconhecer que ele assenta em boa parte dos estereótipos
expectáveis: o encarar dos negros como propriedade e objectos, não
seres humanos, e o aproveitamento sexual das negras pelos brancos; os
homens como cume de uma pirâmide em que se seguem as mulheres e, na
base, os negros…
Este
estado de coisas, reflexo de um tempo e de uma forma de pensar,
inegáveis historicamente,
em termos genéricos redunda em personagens com pouca espessura e
unidimensionais e, em termos específicos do relato, provocará um
progressivo afastamento de Augustin Maubusson da sua mulher,
Laurette; a revolta da sua filha Joséphine, principal protagonista;
o crescimento do seu irmão nas pisadas do pai, cada vez mais
prepotente e
violento
para
com as suas propriedades…
humans.
Em suma, uma história - histórica… - sobre racismo e violência,
sim, mas também sobre misoginia e opressão feminina. Como que
juntando - enganadoramente - no mesmo ‘saco’ a luta dos negros e
das mulheres. Que - historicamente sabemos hoje - demoraram, uma e
outra, décadas a ter resultados - e ainda, em muitos casos, continua
a ser necessária.
Apesar
disso, a escrita de Léa Chrétien consegue transmitir ao relato uma
boa dose de emoção, introduzir uma ou outra variante, como um toque
de magia vudu no desfecho deste tomo inicial, e alguns surpresas
durante o seu decurso, e dessa forma cativar o leitor para o
acompanhamento desta saga familiar.
Saga
que é desenhada de forma realista e convincente do ponto de vista da
reconstrução de época, sejam os ambientes citadinos de New
Orleans, sejam as zonas rurais da plantação e arredores. E embora
Gontran Toussaint revele especial prazer pelo desenho da figura
feminina - que protagoniza grande parte das cenas - há por vezes
algumas dificuldades no reconhecimento dos seus traços distintivos,
em especial quando se trata de mãe e filha. Com um bom trabalho de
cor, numa planificação de cunho realista, Tousaint revela algum
atrevimento pontual, como, por exemplo, na cena determinante final,
em que a acção em dois locais distintos surge em paralelo numa
página apresentada como um tabuleiro de xadrez azul-cinza e ocre,
para depois acelerar o ritmo na prancha seguinte em que as distinções
cromáticas se mantêm agora
numa
sucessão de tiras de vinhetas única.
Com
apenas um terço da história revelada, num volume de final aberto
que apela à continuação da leitura, Louisiana
fica dependente dos volumes seguintes para uma avaliação mais
completa e ajustada do projecto.
Louisiana
#1: La couleur du sang
Léa
Chrétien (argumento)
Gontran
Toussaint (desenho)
Dargaud
França,
13 de Setembro de 2019
240
x 320 mm, 56 p., cor, capa dura
EAN
9782205078640
14,00
€
Um problema de ler as revistas francesas de BD (casemate, dbd, l'immancable), é a profusão de edições FB derivando daí, a escolha. Este não me despertou muito a atenção. Talvez devido a ser triptico e eu irritar-me com o ficar à espera das continuações. Aliás, o Águias de Roma está nessa situação. Por vezes compro e fico á espera da edição da totalidade para ler de seguida, mas no AdR cometi o "erro" de os ler quando foram sendo editados... :-)
ResponderEliminarPois... Li este seguindo uma indicação de alguém... e agora fico à espera dos restantes!
EliminarRaramente compro e espero pelo fecho da série para ler. A maior parte das vezes vou lendo e quando compro o último volume, aí releio de uma vez só...
Boas leituras!
Pois, mas isto foi sempre assim.
ResponderEliminarEstamos a ficar mal habituados devido às edições TPB dos Comics americanos.
Mas um album FB também leva mais tempo a fazer, são ritmos distintos.
Pelo que sei o último Largo Winch vai levar 1 ano a desenvolver.
E este novo Largo vai sair no mês que vem pelos vistos.
ResponderEliminarCom algumas excepções, um ano é sensivelmente o tempo de criação de um álbum franco-belga...
EliminarBoas leituras!