Nome incontornável da BD francófona nas últimas três décadas - género a que tem voltado recorrentemente, apesar dos anúncios em contrário - o chileno Alejandro Jodorowsky, argumentista e também cineasta, deixa uma marca muito própria em todas as suas criações. Violência, sexo, uma visão esotérica do mundo, embora em doses diferentes consoante os registos, são sempre elementos presentes nas suas histórias e granjearam-lhe muitos seguidores fiéis - mas também alguns ódios de estimação...
Os
Cavaleiros de Heliópolis,
de que a Arte de Autor publica agora o primeiro volume (duplo), não
é excepção, apesar de ter como ponto de partida uma temática
histórica, mais exactamente, o mito (?) do bastardo de Luís XVI, de
França, que a Revolução Francesa terá eliminado ou obrigado a
fugir.
Jodorowsky
- como outros já fizeram antes dele - pega nele, e transforma-o à
medida das
suas obsessões narrativas. Torna-o hermafrodita - embora sem grande
exploração deste factor, até agora - apresenta-o como um guerreiro
de eleição, baptiza-o como Asiamar e fá-lo candidato a um grupo
reduzido de seres imortais que
regem o nosso mundo, onde
encontramos, também, o egípcio Imhotep, o chinês Lao Tsé, o
apóstolo João ou o judeu Nostradamus.
Depois
de narrar com bastante pormenor a génese do bastardo, ainda no
primeiro tomo -
Nigredo, a obra ao negro - expõe-nos
o processo iniciático de Asiamar, tendo por base o sólido desenho
de cariz realista de Jérémy, bastante expressivo, o que potencia o
recurso frequente a grandes planos e um colorido maioritariamente em
tons sombrios, que exploram o bom uso de volumes que patenteia.
Quanto
ao segundo relato - Albedo,
a obra ao branco
- reúne Asiamar a Napoleão Bonaparte e, com grande liberdade
criativa e ficcional, explora de forma curiosa e estimulante os
sonhos de grandeza do futuro imperador.
Sendo
uma série de contornos ainda indefinidos e com várias
possibilidades de desenvolvimento,
Os Cavaleiros de Heliópolis,
para além do bom trabalho gráfico, beneficiam da maturidade
narrativa de Jodorowsky que,
para já (?) surge bastante contido neste díptico, o que até poderá ser um bom prenúncio para quem costuma desconfiar do criador chileno...
Boa edição
Cada
vez mais, este parece ser o paradigma de publicação de BD
francófona entre nós: edições duplas, o que permite a
aproximação ao modelo das compilações norte-americanas no número de páginas, a um
preço (apesar de tudo) aceitável devido ao formato maior.
E
quando, como no presente caso, a impressão é feita com
a qualidade que esta apresenta, é difícil resistir ao (objecto)
livro. Apreciem
a textura da capa, o relevo e
acabamento das
letras dos
títulos e dos autores ou a boa gramagem do papel, para perceberem do
que estou a falar... E de como faz tanta diferença ler - assim! - em papel ou em suporte digital...
Os
Cavaleiros de Heliópolis #1
Jodorowsky
(argumento)
Jérémy
(desenho)
Arte
de Autor
Portugal,
Setembro de 2019
232
x 310 mm, 120 p., cor, capa dura
23,50
€
(versão
revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 30
de Setembro de 2019; imagens disponibilizadas pela editora; clicar
nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Era simpático termos o Barracuda de Dufaux, um escritor superior e também com arte de Jérémy.
ResponderEliminarComprei os Le Papa Terrible do Jodorowsky e aquilo é mauzinho, parece escrito por um amador viciado em pornos e alcool.
Quando ele é bom é bom mas quando é mau é mesmo mau.
O Barracuda é uma história de piratas para adultos.
Confesso ser complicado decidir se adquiro obras que já li no original e em digital. No entanto, sabendo que é terrivel para uma editora (sobretudo pequena e recente) editar e não vender, e tentando recompensar o risco tomado de editar FB quando o mercado tem (aparentemente) sido orientado noutro sentido, irei adquirir tanto este como sobretudo o Undertaker.
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