Cada vez mais, as edições integrais são o melhor caminho para quem quer conhecer obras do passado - mesmo que relativamente recente - ou recordar aquelas que marcaram a sua infância ou juventude - com todos os riscos que isso acarreta!
Por
isso, esta será uma semana (quase?) toda dedicada a edições
integrais, aqui em As
Leituras do Pedro.
Sem
nenhuma razão específica, só porque foi leitura recente minha,
abro com o primeiro volume de Natacha,
a bela e sensual hospedeira do ar da revista Spirou.
Criação
de François Walthéry - com
colaborações nos argumentos de Gos, Borgers e Wasterlain -
estreou-se
a 26 de Fevereiro de 1970, no n.º1663 daquela revista belga. Na
época, possivelmente
empurrada pelos ventos de mudança que o Maio de 1968 tinham trazido
à sociedade francesa, representava
uma enorme mudança de paradigma no que à BD francófona - e não só
- dizia respeito, uma vez que era protagonizada por uma mulher. E,
mais do que isso, por uma mulher bonita, frequentemente mostrada em
poses sensuais e até atrevidas - para os critério da época - o que
com certeza terá dado a volta à cabeça a mais do que um
adolescente borbulhento. Uma
mulher que assumia o protagonismo e tomava a iniciativa, não ficando
recorrentemente à espera dos parceiros masculinos para sair de
situações difíceis.
Abrindo
com duas
histórias dentro da linha tradicional da revista, entre a aventura e
o humor, este primeiro volume de Natacha ajuda a perceber a evolução
as série e a estabelecer alguns dos aspectos que balizariam o seu
percurso, entre os quais a profissão que lhe permite deslocar-se
para as mais diversas paragens e dar mobilidade à heroína e uma
galeria de secundários não muito vasta,
mas onde se destaca já Walter, o assistente de bordo trapalhão e
azarado
que
a acompanha em muitos dos voos.
Se
estas
duas primeiras narrativas - Hôtesse
de L’air
e Natacha
et le Maharadjah
- não se afastam muitos dos pressupostos habituais das outras séries
da revista, com excepção do exibicionismo da protagonista feminina,
o último relato - La
mémoire de Métal
- marca de certa forma um salto
na
evolução da série, quer devido à planificação mais
cinematográfica, ao ritmo acelerado que apresenta e, principalmente,
pelo tom
mais violento e negro que a caracteriza, em parte devido ao
falecimento recente do pai de Walthéry. Na sua essência, é um
thriller
de
ritmo alucinante, em forma de perseguição contínua, que
gira em torno da busca por diversas facções, de uma pequena caixa
que parecendo apenas um elemento acessório de um esquema de tráfico
de diamantes, se revela bem mais do que isso. Uma
exposição mais crua da violência, um maior número de situações
limite e a necessidade de tomar opções arriscadas e que
contrariavam a linha moderada então assumida pelas publicações
infanto-juvenis, fazem desta narrativa um caso muito curioso para a
data.
As
informações acessórias que me ajudaram a compor este texto, fazem
parte do dossier de abertura do álbum, que ajuda a situar a obra no
contexto da época,
na Spirou
e na carreira do(s) seu(s) autor(es). E este é outro dos aspectos
que valorizam imenso a publicação de obras com (mais ou menos) anos
e tornam os integrais tão apetecíveis. Quem está habituado aos de
origem francesa,
sabe que geralmente os da Dupuis apresentam os dossiers mais
extensos e completos mas, neste caso, numa edição datada de 2007, a
verdade é que ele surge algo conciso em relação ao que tem sido
norma em anos mais recentes.
A
título de curiosidade final, refira-se que Natacha nunca teve grande
sorte no nosso país. Estreada com
Natacha,
Hospedeira do Ar
nas
páginas da 2.ª série da versão nacional da Spirou,
apenas
dois meses após a sua publicação original, veria o segundo
episódio, Natacha
e o marajá,
ficar interrompido devido ao encerramento da publicação após 32
números. (Porque Portugal continuava um país 'decente' e de brandos costumes?) a hospedeira do ar só chegaria à capa da revista no número 19, mas até ao seu final ainda apareceria mais três vezes.
As
duas
histórias referidas seriam
publicadas integralmente, já na década de 1980, nas páginas do
Jornal
da BD,
mas,
curiosamente,
com a ordem cronológica
invertida.
François
Walthéry, Gos, Borgers e Wasterlain (argumento)
François
Walthéry (desenho)
Dupuis
Bélgica,
Junho de 2007
300
x 218
mm, 160
p., cor,
capa dura
ISBN:
9782800137889
20,95
€
(imagens
do
álbum disponibilizadas
pela editora; capa
portuguesa recolhida no site BDPortugal; clicar nas imagens para as
aproveitar em toda a sua extensão)
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