07/05/2020

Tutti Frutti

O autor e os outros



No segundo semestre de 2018, o topo direito da página de editorial - página 2 - do Jornal de Notícias, foi ocupado por Marco Mendes, com uma banda desenhada/cartoon - a definição do género não é consensual...
O total dessas publicações, mais de 200 pranchas a cores, incluindo as que na altura não foram aceites pelo jornal, estão reunidas nesta compilação intitulada Tutti Frutti.

Em termos formais, Marco Mendes, a exemplo do que já fazia no seu blog DiárioRasgado e nos trabalhos reunidos no volume com o mesmo título, optou por um formato deitado, dividindo a página em duas tiras. Estas, por sua vez, foram na maioria das vezes divididas em duas vinhetas de igual dimensão, embora sejam frequentes os casos em que uma das tiras - ou raramente as duas em simultâneo - constituem uma única vinheta.
Em termos gráficos, a contribuição de Mendes para o JN surpreende pela complexidade da sua estética, pois geralmente o desenho editorial assenta numa grande simplicidade técnica. Obrigado à publicação diária, esta foi uma das maiores dificuldades que o autor enfrentou, sendo evidente ao longo deste livro a forma como foi aprendendo a simplificar a sua arte, sem que isso implicasse rupturas ou perda de qualidade aos olhos do leitor. Essas questões - e outras - foram abordadas por Marco Mendes nesta entrevista, que ajuda compreender melhor as implicações de uma experiência na altura nova para ele.
Se em termos plásticos, havia um desvio evidente da norma (não escrita), em termos de conteúdo isso também aconteceu - e talvez seja esta uma das (principais?) explicações para a curta (?) duração da parceria entre o JN e MM.
De forma simplista - e redutora, usada aqui apenas para facilitar a análise em curso - é possível dividir estas páginas em duas grandes temáticas: aquelas que - naturalmente - faziam o comentário da actualidade e as que se centravam no próprio autor, na sua vida particular, nos seus amigos. Com o mérito de muitas delas, assentarem em referências da literatura, poesia, cinema, teatro…
Evidentemente, há muitos casos em que as duas temáticas se tocam mas, no que respeita aos desenhos de carácter mais pessoal, muitas vezes, dada a sua óptica tão intimista ou o facto de versarem sobre o acto criativo, é possível questionar a validade da sua inclusão - em tão grande número… - nas páginas de um diário generalista, sendo mais evidente a sua publicação num blog de autor.
Quanto às outras páginas, numa leitura desfasada no tempo entre ano e meio e dois anos, em relação à data original de publicação, como agora me aconteceu - e como é norma no caso de compilações similares - é evidente a perda de contexto - e a consequente dificuldade de leitura de algumas delas - menos do que as expectáveis, na verdade, o que não invalida que teria sido enriquecedora a inclusão de algumas notas explicativas, que beneficiariam aquela que é sem dúvida uma bela edição. Embora, em abono da verdade, por outro lado haja muitas situações - refugiados, migrantes, incêndios, violência doméstica… - e personalidades - com os (infelizmente) incontornáveis Trump e Bolsonaro à cabeça - que (lamentavelmente…) se mantêm actuais e perfeitamente legíveis.
Obra, por tudo o explanado, de cariz bastante pessoal - enquanto reflexo da forma de ser, criar e pensar de Marco Mendes - Tutti Frutti é simultaneamente um documento deste tempo e um manifesto de um autor, cuja leitura beneficiará todos os que a fizerem.

Tutti Frutti
Marco Mendes
Turbina/Mundo Fantasma, Junho de 2019
290 x 220 mm, 218 p., cor, capa dura
40,00 €

Nota 1: O livro está disponível em três capas diferentes, de tons amarelo, rosa e verde
Nota 2: Na compra de Tutti Frutti na livraria Mundo Fantasma, é oferecido um exemplar de Zombie, do mesmo autor

(imagens disponibilizadas pela editora Turbina; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

4 comentários:

  1. Banda desenhada é a mais bela "fotografia" da arte e talento de quem a desenha
    .
    Cumprimentos poéticos
    Proteja-se

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  2. Viva Pedro! Obrigado pela leitura atenta e crítica. Se houver segunda edição irei certamente incluir as tais notas escritas. Não o fiz porque isso iria lançar-me no campo da literatura, que demasiadamente respeito. Arriscava demorar-me mais nas notas de rodapé do que no livro propriamente dito. Mas tens razão. Abraço!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado Marco!
      Toca a esgotar esta edição, par que venha essa segunda, corrigida e aumentada! ;)
      Boas leituras... caseiras!

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