Resumo
O Corvo está de regresso, ‘mais inconsciente do que nunca…’
lê-se na contracapa, desconhecendo a sombra ameaçadora que paira
sobre ele, a do Combustão, seu inimigo jurado… numa
cidade em que impera a traição, a perversão e o tráfico.
O Corvo nasceu (para o público) em 1994.
Aconteceu ao volume 5 da prometedora - mas efémera - colecção
Estórias de Lisboa,
e na época a narrativa assumia contornos dramáticos, num relato
tenso de tom trágico, que no capítulo final atenuava a infância
complicada do seu alter-ego, Vicente.
Quase uma década depois, em 2003, assistíamos
a O regresso,
em que Luís Louro procurava um (novo) caminho para a sua personagem.
A paródia (mais assumida) aos super-heróis, o afastamento
progressivo do realismo (parcial) que o Vicente proporcionava eram as
suas pedras basilares.
A parceria com Nuno Markl em Laços
de família (2007) assumia
abertamente um tom de comédia, próximo do registo conhecido ao
humorista, por isso mais leve e ingénuo.
E marcava a chegada de dois oponentes do trapalhão super-herói, a
avantajada Viúva Negra e, principalmente, o falhado Fanã, aliás,
Combustão.
Desenvolvimento
Apesar de continuar trapalhão e alheado da realidade - numa
‘inconsciente tranquilidade’ - o Corvo assume definitivamente
neste álbum o seu papel de super-herói.
Monólogos interiores, inimigos recorrentes,
novos adversários, o combate ao crime organizado e ao tráfico de
estupefacientes - mesmo que involuntariamente e sem de tal ter
consciência - são os aspectos mais relevantes dessa entrada no
‘super-clube’.
Paradoxalmente, embora este seja o álbum mais
conseguido
em termos de humor - que o
Combustão alimenta muito bem, com alguns belos achados e conseguidos
trocadilhos - é também o relato em que esse aspecto tem menos peso
e se perpetua menos na memória
do leitor, pela forma elaborada e sólida como Louro apostou na
vertente 'super-heróis'.
Agora, depois de
o autor ter procurado o
caminho - que finalmente parece ter encontrado - cabe ao seu herói
(tentar) descobrir quem/o que realmente é.
O que atrás fica escrito não implica que seja um álbum (muito) mais pesado em relação aos
anteriores, embora seja evidente o cuidado posto ao nível da
escrita, que ritma a leitura, dá consistência à narrativa e a prolonga temporalmente
para benefício do leitor, obrigando-o o
mergulhar na cabeça do protagonista.
Graficamente, Lisboa - aquela com que Louro nos
deleitou no díptico duplo Watchers/Sentinel,
- quase desapareceu dos fundos das vinhetas, devido à opção de
centrar a acção directamente nas personagens e nos seus confrontos,
através da utilização generosa de grandes planos ou de planos de
conjunto ‘iluminados ‘ pelas chamas (que ‘apagam’ outros
elementos. Curiosamente, isso permitiu que um ‘outro’ Louro
brilhasse, pela forma dinâmica e movimentada como tornou explosivas
as cenas de maior acção, tirando todo o benefício do seu traço
anguloso quer nos ‘demónios’ que
o Corvo
enfrenta, quer nas ligaduras 'vivas'
do Combustão.
A reter
- A regularidade com que Luís Louro está (outra vez) a trabalhar -
e a publicar.
- O excelente trabalho gráfico do autor, em especial nas cenas do
Combustão e da luta do Corvo com os seus ‘demónios’.
- A contratação pela Ala dos Livros de um (dos raros)
peso-pesado(s) da BD nacional para o seu catálogo...
- ... e a
iniciativa da editora
de proporcionar às
100 primeiras encomendas o livro autografado e com o seu
selo branco.
Se a promoção dos autores portugueses
é fundamental - embora raramente tenha acontecido - no
momento actual é
ainda mais importante.
Menos conseguido
- A capa: o logótipo do herói e mesmo o nome
do autor são pouco legíveis; o próprio Corvo
- que como personagem recorrente devia ser o principal chamativo
- surge
nela algo
‘apagado’ pelas chamas do Combustão - e por isso pouco
reconhecível, ao
contrário do (lógico)
protagonismo que gozava no frontispício dos álbuns anteriores.
O Corvo: Inconsciência tranquila
Luís Louro
Ala dos Livros
Portugal, Maio de 2020
235
x 310
mm, 64
p., cor, capa dura
16,95
€
(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
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