O sonho como porta para uma vida melhor
Depois de Como Antes (edição portuguesa da Devir, 2022), em que recordava uma pungente viagem entre França e Itália para levar as cinzas do pai à sua terra natal, Alfred está de volta ao nosso mercado com Maltempo, o segundo tomo da sua "trilogia italiana", de novo com o mesmo selo editorial.
O relato, como assumido pelo autor, parte das "suas recordações pessoais de Itália" e isso é notório no belo retrato que traça da pequena aldeia sem nome que lhe serve de cenário, muitas vezes em vinhetas mudas que permitem ao leitor demorar-se nos cenários ilustrados. Na realidade, as ruas estreitas e empinadas, o sobe e desce das estradas, a secura de muitos dos terrenos, a cascata de pequenas habitações que desce a encosta até ao belo mar azul, tudo transpira realidade e credibilidade. Esse hiper-realismo, por assim escrever, é atenuado pelo traço simples e agradável do autor italiano, bem servido por uma paleta de cores que evoca na perfeição o clima seco e quente do Mediterrâneo, mas prolonga-se no relato, em especial nos retratos que vai traçando dos seus jovens conterrâneos. Todos eles, como Mimmo aliás, de características bem humanas, tão capazes de socorrer o 'tolinho' da aldeia quanto de se aproveitarem de alguém numa situação difícil, de gabarem os seus feitos sexuais quanto de esconderem as visitas à mãe doente no hospital, de se apaixonarem ou odiarem.
Maltempo, que em italiano significa "mau tempo" e pode de alguma forma simbolizar os tempos difíceis passados num local onde o sol parece brilhar intensa e constantemente, decorre, assim, num meio pequeno, limitado e pobre, sob a sombra a um tempo ameaçadora e protectora da mafia, aparentemente a única saída da vida sem futuro a que parecem condenados os jovens locais.
Mas há outra via, aquela que é alimentada pelos sonhos, sejam eles a manutenção de zonas verdes em desfavor da invasão de hotéis e turistas, seja o que move o protagonista, Mimmo, cujo sobrenome dá título ao livro, um adolescente de 15 anos que sonha fazer sucesso com a sua guitarra. A realização de um casting na sua aldeia, por um programa televisivo de sucesso, parece-lhe uma porta que se abre.
Entre paixões juvenis, invejas, maldade e ódios de estimação potenciados pela pequenez do meio e até um atentado, Mimmo terá que dar o melhor de si, ultrapassar obstáculos e receber a mais inesperada das ajudas para tentar alcançar a ilusão que o alimenta.
Maltempo
Alfred
Devir
Portugal,
Outubro de 2024
148
x 210 mm, 324
p., cor,
capa dura
22,00
€
(versão revista do texto publicado na edição online do Jornal de Notícias a 28 de Dezembro de 2024 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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